• O mundo inteiro reconhece o papel de Sua Santidade na quebra do impasse de cinco décadas entre os dois países
- O Globo
Minha geração já assistiu diversos milagres políticos. Um deles foi o desmonte do socialismo real no Leste Europeu que provavelmente não teria ocorrido, naquele momento, se não fosse à liderança moral do Papa João Paulo II. Com o seu sentimento polonês, ele teve papel fundamental no despertar da necessidade das mudanças que as forças sociais empurravam nos países daquela área.
Nesses dias, o milagre foi retomar as relações diplomáticas entre dois povos que viviam como inimigos a poucos quilômetros de distância, sem que um conseguisse vencer o outro. Nem os EUA estrangularam Cuba pelo uso do poder econômico, nem Cuba estrangulou os EUA com guerrilhas na América Latina.
O reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba, que um dia ocorreria pela pressão das forças sociais nos dois países, não teria acontecido agora sem a ousadia tanto do presidente Barack Obama, quanto do presidente Raul Casto, e sem, sobretudo, a força moral, aliada ao sentimento latino-americano de Sua Santidade.
O mundo inteiro reconhece o papel de Sua Santidade na quebra do impasse de cinco décadas entre os dois países. Mesmo com a força política dos dois presidentes, as forças sociais não definiriam o momento; poderiam ficar represadas por outras décadas, até que um gesto às despertassem.
No Brasil, passamos por isso. A desigualdade que nos envergonha, a violência que nos mata, a corrupção que nos rouba recursos, a ineficiência que nos estrangula. Tudo isso pressiona para que algo ocorra e permita nosso salto para uma sociedade eficiente e harmônica. Sabemos o que é preciso fazer, sabemos como fazer, temos os recursos para isso, falta que as lideranças políticas se indignem, colocando a moral na frente da política e a política tomando decisões decentes quanto ao uso dos recursos dos quais dispomos.
Mas parece que internamente não estamos conseguindo este despertar. Agimos barrando a vontade das forças sociais e não a favor delas.
Precisamos reatar relações entre nossas classes sociais. E o caminho é colocar todas as nossas crianças em escolas com qualidade e com a mesma qualidade: os filhos dos pobres em escolas tão boas quanto às escolas dos filhos dos ricos. As forças sociais buscam isso, na ânsia de fazer com que o Brasil seja um país eficiente, justo, decente e com liberdade individual plena. Mas a política não se sensibiliza.
Aparentemente há um divórcio entre a ansiedade das forças sociais, querendo um país melhor no futuro e o comodismo das forças políticas, que querem apenas administrar improvisadamente o presente. Por isso, meu apelo à Santidade: escreva aos líderes políticos brasileiros, do governo e da oposição, como fez para os líderes de Cuba e dos EUA, e fale da necessidade de reatamento social. Talvez, Sua Santidade consiga nos despertar, como fez com os Presidentes Obama e Castro.
O Natal é um bom momento para isso.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)
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