- O Globo
Um silêncio oficial recebeu a nota do Superior Tribunal Militar. Silêncio quase aquiescente. A nota diz que a Justiça Militar foi "garantista", querendo dizer que garantiu direitos na ditadura. Bizarro. As pessoas eram presas sem ordem judicial, respondiam IPM dentro dos quartéis sem direito a advogado nesta fase e civis eram julgados por militares. Esta foi a garantia oferecida aos opositores.
Passaram-se dias, desde a nota. Ao todo, 15 dias. Mesmo assim escrevo porque o som do silêncio tão longo só aumenta o espanto de quem sabe o que se viveu naquele tempo. Não havia garantia dos direitos, essa era a regra do jogo no regime ao qual a Justiça Militar serviu tão bem.
Independentemente do que tivessem feito, eram todos culpados até prova em contrário. As prisões eram sequestros: pessoas eram arrancadas de suas casas, ou do meio da rua, sem a chance de um telefonema, e sem ordem judicial. Alguns não voltaram. As confissões na maioria das vezes foram extraídas sob tortura. Com base nisso era iniciado o Inquérito Policial Militar respondido, quase sempre, dentro das instalações militares, sem que o advogado estivesse presente.
Assim se instruía o processo que depois correria nas auditorias militares. No julgamento havia um único momento em que o réu tinha chance de falar. Era no sumário de culpa. Em geral se ficava em frente ao pelotão de militares naquelas salas das auditorias para ser interrogado pelo juiz-auditor, o único togado naquele júri. Os outros eram fardados. Diante deles, 1918 pessoas, entre elas esta colunista, denunciaram torturas. Muitos foram tão aterrorizados durante o processo que se calavam. A ameaça era de voltar para a prisão ou, aos que estavam presos, de que a tortura voltaria. Essa era a garantia dada aos opositores do regime. A maioria dos que passaram por isso era jovem e nunca havia pegado em armas. Todos foram tratados como inimigos da Pátria.
O STM disse que há "equívocos e inverdades" no relatório da Comissão Nacional da Verdade. O documento aponta que a Justiça Militar "teve papel fundamental na execução das perseguições e punições políticas" e chamou de "anomalia" os civis serem julgados pela Justiça Militar. Nada mais fez a CNV do que dizer o óbvio. Mas até hoje, 30 anos depois, o óbvio ofende os ouvidos dos militares e dos seus auxiliares.
Na longa nota, a presidente do STM defende a Justiça Militar citando elogios de advogados conhecidos como prova de que tudo estava correto juridicamente. Heleno Fragoso, Sobral Pinto, Evaristo de Moraes e Técio Lins e Silva, e outros, usaram as técnicas possíveis para livrar aqueles que defendiam. Mas as vidas e as declarações desses juristas deixaram claro o quanto condenaram o regime que tinha por base leis de exceção, e a suspensão de direitos e garantias individuais.
Ora, juíza Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, presidente do STM, de que garantias a senhora está falando? De estudantes serem julgados por militares com base em processos iniciados dentro dos quartéis e após torturas? O que é "inverídico, injusto e equivocado" em condenar aquela ordem fora da ordem? A senhora já esteve em pé em frente a uma corte marcial? Já ficou presa sem formação de culpa, sem ordem judicial e sem advogado? O que fizeram os tribunais militares para apurar as denúncias dos réus de que foram torturados nas prisões?
A Justiça Militar foi parte do arbítrio e do teatro de absurdos que se instalou no Brasil durante a ditadura. Se não fosse para reconhecer o erro, o melhor seria o silêncio. Não se nega o inegável.
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