- O Globo
O que era julho de 1989? O país estava em plena hiperinflação. Três planos econômicos haviam fracassado, e os preços disparavam. O então presidente José Sarney, que lutara pelo quinto ano de mandato, estava inerte diante da crise. O governo era fortemente impopular. É a esse nível de reprovação que a presidente Dilma chegou. Mas ela ainda tem pela frente 45 meses de governo.
Como é que a presidente chegou a ponto tão baixo de aprovação, tão alto de rejeição em começo de mandato? O que está acontecendo deveria virar um caso de estudo para o marketing político. Isso prova que há um limite nas artimanhas, mentiras e ataques que uma campanha pode fazer para ganhar a eleição. A vitória a qualquer custo traz como resultado isso que está se vendo.
Na sua campanha, a presidente usou o argumento de que a crise não existia. Ela existe e mostrou suas garras. Disse que a inflação estava controlada. Os preços represados estão sendo corrigidos. A taxa está em 8%. Acusou adversários de quererem fazer um tarifaço de energia, apesar de a presidente estar preparando o tarifaço. E não é culpa da falta de chuvas. Quem acompanha o setor sabe que os aumentos de preços de energia estavam já nas planilhas das empresas com aval da Aneel. As distribuidoras pegaram empréstimos bancários e aportes do Tesouro e deram como garantia aos bancos a aprovação da Aneel de repassar esse custo ao consumidor.
No pior momento da campanha, foram feitos pequenos anúncios sórdidos contra a candidata Marina Silva, quando ela defendeu a independência do Banco Central. Os anúncios mostravam cenas de comida sumindo do prato das pessoas e de cadernos sumindo das mãos das crianças. A presidente Dilma passou o segundo turno acusando o PSDB de ser gente que "planta inflação para colher juros". O BC começou a subir os juros na primeira reunião após as eleições porque a inflação subia. A presidente Dilma sabe, ou devia saber, que em quase todos os países que adotam metas de inflação, o Banco Central é independente e isso o faz mais eficiente no combate à inflação. BC independente não é sinônimo de juros altos, pelo contrário.
Segundo Pesquisa Ibope-CNI, a taxa de reprovação do governo chegou ao ponto mais alto dos últimos 26 anos. A gestão da presidente Dilma é considerada ruim ou péssima por 64% dos brasileiros, índice igual ao do ex-presidente Sarney em julho de 1989. Só 12% disseram que a gestão é boa ou ótima.
A esta altura, o marqueteiro que conduziu a linha de campanha de mentiras e ataques já embolsou o seu dinheiro e colocou mais uma vitória no seu portfólio. O Brasil, contudo, tem um longo deserto a atravessar com uma crise que se agravou e uma governante enfraquecida. Como deve ser o marketing político? Quais os limites para o "diabo" que se pode fazer numa campanha? O marketing de resultados, mas sem ética, que usa qualquer argumento e qualquer ataque, sabendo que mente e manipula o eleitorado, é um perigo para a democracia. Esse desencanto que vem no momento seguinte, quando o eleitor se sente ludibriado, reduz a confiança nos políticos, no processo eleitoral.
Ao todo, 78% desaprovam a maneira de a presidente governar. E o risco agora é Dilma culpar o remédio, o ajuste fiscal. Se recuar da decisão que tomou, de tentar reduzir a devastação fiscal provocada pelo seu primeiro mandato, a crise vai se agravar. As medidas de aperto contrariam o que ela disse. Na campanha, ela afirmou na frente de qualquer jornalista que a entrevistou que o ajuste fiscal não era necessário. Ela sabia que era. Um país com 7% de déficit nominal, com déficit primário, e escalada da dívida bruta, se não fizer ajuste pode perder o grau de investimento, e isso afugentará investidores, encarecerá o crédito para o governo e suas empresas. A crise se aprofunda.
Como a presidente pode pedir sacrifícios ao país se ela fez uma campanha pintando o cenário econômico de cor-de-rosa? Ela perdeu aprovação até no eleitorado mais vulnerável à chantagem que a campanha fez, ameaçando os beneficiários do Bolsa Família de perderem o benefício caso ela não ganhasse. O marketing da mentira elegeu Dilma. E a encurralou.
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