- O Estado de S. Paulo
As manifestações de 15 de março, inesperadas por seu volume e seu alcance, confirmam o risco de apagão econômico, político e moral do atual governo. O mesmo se pode dizer da reação titubeante e autodestrutiva da Presidência e do PT. De forma cega e compulsiva a presidente Dilma repete a mesma trajetória: dobra as mesmas apostas equivocadas, culpa Deus e o diabo pelos efeitos desastrosos, nega que exista algum problema, redobra as mesmas apostas, e assim indefinidamente.
Com efeitos fulminantes na opinião pública, que já mostrou cabalmente que já não aceita Dilma como primeira mandatária da Nação. Mais que isso, a imensa maioria da sociedade brasileira já não tem paciência para aturar outros quatro anos de desgoverno.
Basta ver pesquisa divulgada recentemente pelo Datafolha em que a avaliação negativa de seu governo chegou a quase dois terços dos brasileiros, numa rejeição sem precedentes desde o impeachment do presidente Collor, a qual se reproduz em todas as regiões do País e em todas as categorias de renda e escolaridade. Os mesmos palacianos de sempre repetem a ladainha da fotografia, que mediria apenas o momento.
Na verdade, não é um retrato, mas uma série de radiografias em que uma mancha suspeita, inicialmente pequena, se revela uma massa em crescimento desordenado. A rejeição ao seu governo cresceu quase quatro vezes, de 17% para 62%, nos três primeiros meses de seu mandato e apenas nos dois primeiros dias após as manifestações aumentou quase 50%.
Mais preocupante foi o suposto vazamento de um documento palaciano, atribuído ao então ministro da Comunicação, que expõe impiedosamente as causas do enfraquecimento inexorável da presidente e apresenta um diagnóstico ainda mais sombrio de sua trajetória, mostrando seu isolamento e sua aparente incapacidade de aprender com os erros cometidos. O que espanta não é o documento revelar impudicamente o uso da máquina pública para fins partidários - isso já não surpreende ninguém -, mas que se recomende maior exposição da presidente e mais propaganda, apesar da reação de repúdio que suas aparições em público têm suscitado. O fato é que iniciativas do próprio governo (ministros da Educação e da Comunicação) e batalhões inteiros do "exército do Stédile" (no caso, o MST) coincidam em debilitar ainda mais a presidente em seu momento mais crítico.
A sociedade dá claros sinais de impaciência e quer resultados palpáveis, não aceita pagar a conta do desmando, enquanto o governo se poupa de arrumar a própria casa. Seria o caso de pedir sua renúncia, de propor seu impeachment ou de tentar virar a mesa, como uma ínfima minoria raivosa e desinformada pretende?
Ao PT e ao seu governo interessa fazer um grande amálgama entre a manifestação de insatisfação generalizada da sociedade com o governo, expressa em dezenas de palavras de ordem, convergentes, mas distintas, e um suposto golpismo. Mas se a presidente não recuperar rapidamente um mínimo de credibilidade e sangrar até o fim, o custo para a estabilidade da economia e da sociedade será demasiado.
A menos que os partidos de oposição insistam em brincar de esconde-esconde com o governo, um acobertando-se atrás das massas e outro, atrás dos "exércitos" paragovernamentais, está na hora de exercerem seu dever de liderar, oferecendo alternativas ao caos.
Do ponto de vista legal, o impeachment é previsto na Constituição e sua solicitação é prerrogativa de todo cidadão no gozo de seus direitos políticos. Sem base constitucional e sem um rigoroso processo de investigação e deliberação sobre sua conveniência política e moral, o impeachment só se presta a banalizar um instrumento constitucional destinado a solucionar crises de altíssima gravidade.
Por isso mesmo a opção popular pelo impeachment só constitui golpismo para os que consideram golpe discordar, manifestando seu julgamento moral e político sobre os governantes. Golpismo o PT sabe muito bem o que é, pois usou essa tática contra todos os chefes de Estado não petistas desde a redemocratização e neste mesmo instante contribui descaradamente para o desgaste da presidente.
Seria politicamente irresponsável levantar a bandeira do impeachment ou pedir sua renúncia sem levar a sério o atual contexto. O objetivo político do impeachment não é punir governantes, nem se esgota em afastar um mandatário. Consiste essencialmente em restabelecer a segurança institucional, isto é, preservar as condições políticas de sustentação do Estado Democrático de Direito e a capacidade governativa no day after.
Montesquieu, ao falar sobre a República, afirmava que o povo, embora não consiga ocupar-se da gestão direta do governo, porque é multidão, sabe muito bem distinguir os bons dos maus generais. Se quatro em cada cinco cidadãos não confiam na generala nem em seus lugar-tenentes, é muita prepotência tentar desqualificar esse julgamento do povo.
Dito isso, não nos iludamos, uma classe política - isto é, o conjunto dos eleitos para os diferentes níveis de governo e os executivos governamentais e partidários - não brota do nada. Deixadas a si mesmas, manifestações de massa podem seguir de impasse em impasse em direção a uma "primavera" ou uma "revolução colorida", e aos longos conflitos fratricidas que as seguiram.
É necessário que as lideranças nacionais definam seus objetivos com relação às eventuais saídas para a crise. Existem condições para uma ampla coalizão interpartidária para garantir uma maioria segura nas diferentes hipóteses de saída, como aconteceu na renúncia de Jânio, na morte de Tancredo e no impeachment de Collor?
Se não existem, é necessário criá-las. Uma frente parlamentar, reunindo setores moderados da oposição e os setores responsáveis da base do governo, que não se submetem ao hegemonismo autoritário do PT e estejam dispostos a salvar as instituições que juraram defender, é certamente muito difícil. Mas só é impossível se não for tentada.
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Professor titular da USP e pesquisador visitante na Unicamp
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