- O Estado de S. Paulo
Na semana passada, o Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, da FGV) informou que a atual recessão não começou com as medidas de ajuste fiscal postas em prática no início de 2015, e sim no segundo trimestre de 2014. O Codace não se pronuncia a respeito da duração das recessões, mas sabemos que, embora a atual não seja tão profunda quanto a de 2008, será bem mais longa, e, quando terminar, será seguida de fases alternadas de estagnação e de baixo crescimento.
Terminou a fase na qual era fácil acelerar o crescimento com o impulso contínuo do aumento dos preços internacionais de commodities e com os ganhos de relações de troca. Vários países, além do Brasil, beneficiaram-se da “bonança externa” que terminou em decorrência da inevitável desaceleração do crescimento da China. Os países que durante o período da “festa” fortaleceram suas políticas micro e macroeconômicas saíram-se melhor. Infelizmente, o Brasil não só gastou esse bônus como sacou contra o futuro, abusando da expansão fiscal e elevando a dívida pública, com consequências terríveis sobre o crescimento econômico.
A perda da nossa capacidade de crescer é consequência do populismo macro e microeconômico crescentemente adotado pelo governo, caracterizado pelo aumento de gastos sem o correspondente aumento de receitas e pelo intervencionismo excessivo na economia.
Nos últimos anos, acelerou-se o crescimento de gastos públicos, cuja estrutura já era pesada desde a Constituição de 1988. O País precisava de políticas públicas voltadas à redução da pobreza e à inclusão social, e há alguns exemplos de sucesso nesse campo, como é o caso do Bolsa Família. Mas cresceram exageradamente outros gastos, como o Loas e os impulsionados pelo aumento do salário mínimo acima da produtividade da mão de obra, entre outros. Mais grave ainda, o governo foi tomado pela ilusão de que o intervencionismo no campo da economia e a transferência de recursos para o BNDES, aumentando empréstimos com recursos que elevaram a dívida pública, libertaria o “espírito animal” dos empresários, elevando a taxa de investimentos e pondo o País na rota do crescimento acelerado.
Populismo macroeconômico. No campo da política fiscal, a atitude de distribuir benesses sem a devida correspondência de receitas caracteriza o que em 1989 Dornbusch e Edwards definiram como “populismo macroeconômico”. Revisitando esse tema, há 5 anos, Sebastian Edwards publicou um novo livro (Left Behind; Latin America and the False Promise of Populism, junho, 2010) no qual avaliou experiências mais recentes, e relata vários exemplos de sucesso em obter ao mesmo tempo a aceleração do crescimento econômico e a melhoria das condições sociais das camadas mais pobres, reduzindo a desigualdade na distribuição de rendas.
Um de seus exemplos de sucesso é o do primeiro mandato de Lula, no qual o Brasil cresceu ao lado da queda na concentração de rendas. Mas se Edwards escrevesse um novo capítulo avaliando o Brasil a partir do segundo mandato de Lula veria que ocorreu uma profunda mudança. O Brasil mergulhou em uma forma de populismo macroeconômico, que não chega ao extremo do relatado no artigo original de Dornbusch e Edwards, com o financiamento inflacionário dos déficits públicos e os desequilíbrios externos que levaram a crises cambiais, mas que impõe o risco que se chegue a isso, por causa da trajetória não sustentável de crescimento da dívida pública.
O diagnóstico do desequilíbrio fiscal foi exposto com enorme clareza em artigo recente de Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessôa (Ajuste Inevitável, Folha de S. Paulo, 19/07/2015). Nos últimos 20 anos, as despesas vêm crescendo aceleradamente em relação ao PIB, e por algum tempo não tivemos déficits primários elevados porque ocorreu um forte crescimento das receitas, que não foi provocado pela criação de novos impostos ou pela elevação de alíquotas de impostos já existentes, e sim pelo alargamento da base tributária gerado; pela formalização no mercado de trabalho; e pelo aumento das importações.
A formalização no mercado de trabalho foi a consequência de reformas estruturais bem-sucedidas, e o aumento das importações líquidas é uma consequência da “bonança externa”. Infelizmente, esses dois processos se esgotaram, e a menos que haja um aumento contínuo da carga tributária, que já tem a mesma intensidade da observada em países maduros, mas sem os correspondentes benefícios, e que inibe o crescimento econômico, o descompasso entre o crescimento da despesa e da receita leva a déficits públicos que colocam a dívida pública em uma trajetória de crescimento não sustentável.
A conclusão é que a retomada da normalidade fiscal requer muito mais do que o esforço de buscar receitas não recorrentes, como as vindas de uma possível e altamente discutível repatriação de capital, ou de um novo Refis. Estes nada mais são do que paliativos que apenas postergam a solução do problema. A solução correta consiste no controle do crescimento dos gastos, mas não apenas das despesas discricionárias, que são pequenas no total, e sim daqueles que são denominados de “obrigatórios”, no sentido de que sua alteração requer a mudança de leis. Uma dessas reformas é a da Previdência. Se o Brasil não enfrentar o problema do aumento da idade de aposentadoria, estará criando uma crise fiscal de grandes proporções no futuro, e esta não é a única reforma necessária.
Populismo microeconômico. Aos males do populismo macroeconômico somam-se os do populismo microeconômico, e nesse campo a lista de exemplos é enorme e os custos assustadores. A ilusão de favorecer a indústria levou ao aumento do índice de conteúdo nacional na produção de bens de capital, como as sondas na exploração de petróleo. Ignora-se que o aumento nos preços dos bens de capital reduz as margens de lucro em todos os setores que os utilizam, penalizando os investimentos. Em nome de gerar empregos, o País resolveu recriar uma indústria naval produzindo navios a custos exorbitantes. Buscando fortalecer o capitalismo nacional, hipertrofiou-se a ação do BNDES, que se dedicou à criação de “campeões nacionais”, quando o uso mais correto dos recursos seria na complementação dos investimentos privados em infraestrutura.
Em nome do estímulo à indústria, reduziram-se artificialmente as tarifas de energia elétrica, baixando o estímulo aos investimentos na produção de energia, e desonerou-se a folha de salários elevando a demanda de mão de obra quando a economia se encontrava em pleno emprego. Para combater a inflação, o governo resolveu subsidiar o preço da gasolina, prejudicando a capacidade de investir da Petrobrás e penalizando a produção de álcool. Um dos custos incorridos com o populismo microeconômico foi o aumento da inflação, que obrigou à forte elevação da taxa real de juros em um momento no qual a economia já se encontra em recessão.
Para que o País volte a crescer, é necessário desfazer essa tragédia de erros que se acumularam nos últimos anos e que empurraram o País para uma recessão extremamente custosa. Para tanto, é necessário que exista um diagnóstico detalhado dos problemas e das políticas que enderecem a sua solução, e felizmente um número crescente de economistas vem se engajando em analisar e propor as necessárias correções de rumo. Mas esta é apenas a condição necessária.
A condição suficiente é a existência de apoio político. Estamos diante de um governo inusitadamente enfraquecido, e, ainda que não estivesse, não há nenhuma indicação de que tenha um diagnóstico que se aproxime minimamente do exposto acima. Se adotasse esse diagnóstico, teria não somente de alterar radicalmente a política econômica, mas também de explicitamente reconhecer que errou e que praticou um estelionato eleitoral. A ausência de uma saída para a retomada do crescimento indica que o mais provável é que procure “empurrar com a barriga” por algum tempo, e temo que a solução somente seja encaminhada em um novo governo.
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