- Valor Econômico
• Excessos do mercado de câmbio retratam riscos políticos
A pressa é inimiga da perfeição e amiga da confusão. Esse ditado popular está fora de moda, mas serve de alerta ao governo para as consequências de decisões em caráter de urgência que possam vir a ser tomadas, na tentativa de recuperar algum crédito para sua própria imagem ou na ilusão de que é possível tirar o país do buraco em que está. É improvável que o governo dê conta dessas duas tarefas, ou mesmo de uma, com as condições que a economia oferece hoje e que o crescente risco político ajuda a solapar.
Vítima de intenso retrocesso nos principais indicadores econômicos, o Brasil só vai engrenar a primeira marcha se o setor privado colaborar. Mas para isso o governo terá de reconstruir pontes de acesso que ele mesmo dinamitou nos últimos quatro anos de política econômica pautada pela certeza arrogante de que apenas o governo faz as melhores escolhas para o país e pela prática de políticas setoriais tão intervencionistas que as distorções provocadas na formação de preços na economia poderiam levar alguns setores a um sucateamento se algumas regras perdurassem.
Esse risco diminuiu com a convicção da equipe econômica capitaneada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, quanto à necessidade de realinhar preços e tarifas à realidade dos custos.
A inflação de quase 10% no cálculo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 12 meses não é, portanto, obra do acaso e torna o objetivo do Banco Central (BC) de promover a convergência da inflação para a meta, de 4,5%, em 2016 uma epopeia. A perspectiva de a atividade ingressar em um ciclo sustentável de expansão também é grandiosa, ante as indicações de que a operação Lava-Jato deixará cicatrizes fundas em vários segmentos.
As repercussões da Lava-Jato, já em seu segundo ano, praticamente travaram a atividade em determinados setores da economia e ergueram barreiras nada flexíveis entre o setor público e o setor privado com prejuízo para a própria atividade que depende de investimentos.
Por essas fragilidades, entre tantos outros motivos, o governo não deve apressar iniciativas de limitar o alcance da operação da Polícia Federal ou de, no curtíssimo prazo de seis dias, esvaziar a manifestação nacional pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff, marcada para o próximo domingo, 16 de agosto. O risco de o governo provocar reação exatamente oposta - potencializar o movimento - está presente. E o Brasil só tem a perder se for instaurada a ideia de que a economia no chão e o desencanto com o poder podem patrocinar uma convulsão social.
A tensão existente entre o governo e o Congresso é grande o bastante para justificar a preocupação de grandes investidores com as perspectivas para o Brasil. No entanto, é exagero afirmar que está configurado um cenário de disputa pelo comando da Nação, inclusive, porque a economia brasileira reserva uma péssima herança para o próximo governante. Será surpreendente se o sucessor de Dilma Rousseff - o candidato vitorioso nas eleições de outubro de 2018 - encontrar a casa arrumada.
A expectativa de economistas para a atividade é tão ruim que chega a prometer algo bom: a redução dos preços de bens e serviços. Se isso de fato ocorrer, o BC estará bem mais confortável para perseguir seu mandato - entregar a inflação na meta a partir de 2016.
No mercado financeiro, 2015 é tido como um ano de travessia de um cenário "muito ruim" para outro apenas "ruim". E essa avaliação está bem retratada nos excessos do mercado de câmbio - ainda o melhor termômetro para monitorar riscos políticos.
Capaz de contaminar gravemente expectativas, o comportamento acirrado do câmbio é uma boa nova para exportadores e investidores internacionais em portfólio no Brasil porque 1 dólar compra uma boa quantia de reais. Em seis pregões consecutivos na semana passada, o dólar chegou a acumular valorização de 6,23%. Na sexta-feira recuou 0,81% e fechou a R$ 3,5073. No ano, a moeda sobe quase 30%. E a projeção para o fim do ano já oscila de R$ 3,60 a R$ 4,00.
Não convém descartar a possibilidade de o câmbio estressar um pouco mais, nos próximos dias, a reboque da agenda de votações no Congresso e da chance de a presidente Dilma ceder a pressões para antecipar uma reforma ministerial a fim de contemplar os aliados ainda fiéis e conter o aprofundamento da crise política. Andréa Jubé e Lucas Marchesini, do Valor, relatam que a presidente encomendou estudos para reorganizar a máquina pública e reduzir gastos. Cogitava viabilizar a mudança no final de setembro, mas auxiliares próximos tentam convencê-la a precipitá-la, a fim de nomear ministros que sejam capazes de liderar suas bancadas.
Na semana passada, três informações de conteúdo político pautaram o mercado. A primeira foi a declaração do vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) de que "é "é preciso alguém para reunificar o país", afirmação interpretada como indicação do articulador político do governo de que Dilma não é essa pessoa. A segunda, a saída do PTB e PDT da base aliada do governo. A terceira, o resultado da pesquisa Datafolha que mostrou 71% de reprovação ao governo Dilma, com distribuição uniforme entre as regiões do país e 66% de apoio dos brasileiros ao processo de impeachment, apurou o jornalista Eduardo Campos.
Do Senado, o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) faz um aceno alentador para a presidente e para a equipe econômica ao colocar no topo da lista de votações do Plenário o projeto que retira a desoneração da folha de pagamento de 56 setores produtivos. A proposta entrou em regime de urgência e precisa ser votada ante de qualquer outra matéria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário