“Hoje sabemos que Platão e Aristóteles foram a culminação, não o início, do pensamento filosófico grego, cujo vôo se iniciou quando a Grécia atingiu ou estava prestes a atingir o seu clímax. O que permanece verdadeiro, porém é que Platão e Aristóteles vieram a ser o início da tradição filosófica ocidental e que esse início, diferentemente do início do pensamento filosófico grego, ocorreu quando a vida política grega já se aproximava realmente do seu fim. Talvez não exista em toa a tradição do pensamento filosófico, e em particular do pensamento político, um fator de importância e influência tão avassaladora sobre tudo o que viria depois do que o fato de Platão e Aristóteles terem escrito no século IV a.C. o pleno impacto de uma sociedade política decadente.
Surgia assim o problema de como o homem, se tem de viver numa polis, pode viver fora da política. Esse problema, que por vezes apresenta uma estranha semelhança com a nossa própria época, muito rapidamente se converteu na questão de como é possível viver sem pertencer a nenhuma comunidade politicamente organizada, vale dizer, em condições de apolitismo ou o que diríamos em condições de não-cidadania. Ainda mais sério foi o abismo que imediatamente se abriu, e desde então nunca mais se fechou, entre pensamento e ação. Todo pensamento que não seja o mero cálculo dos meios necessários para se obter um fim pretendido ou desejado, mas se ocupe do significado no sentido mais geral, veio a desempenhar o papel de um ”pós-pensamento”, isto é, um pensamento posterior à ação que decidiu e determinou a realidade. A ação, por sua vez, foi relegada à esfera sem significado do aleatório e do fortuito. “
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Hannah Arendt (1906-1975). ‘A promessa da política’, pp.45-6, Difel, Rio de Janeiro, 2008
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