sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Câmara deve ao país a cassação de Cunha – Editorial / O Globo

• Marcada a sessão para ser decidido o destino do deputado, é preciso não se esquecer das denúncias documentadas contra ele, símbolo de corrupção e falta de escrúpulos

A definição da data para a votação em plenário da proposta de cassação do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não escaparia de uma polêmica, como tudo que envolve o ex-presidente da Câmara. Ao estabelecer a data de 12 de setembro, Rodrigo Maia, também peemedebista fluminense, sucessor de Cunha à frente da Casa, passou a ser acusado de ajudar o governo de Michel Temer, supostamente interessado em que o destino do deputado seja definido depois da provável confirmação do impeachment de Dilma, a ocorrer no final do mês.

As explicações de Maia, porém, são consistentes. Especialmente que sua escolha se baseou no histórico da tramitação dos processos de cassação na Casa, desde agosto de 2011, pelo qual as votações ocorrem, em média, 19 dias úteis, ou aproximadamente quatro semanas, depois da publicação do processo pelo Diário Oficial da Casa. Rodrigo Maia também não colocou o assunto na pauta para o fim deste mês porque nela estará agendado o julgamento do impeachment de Dilma. Não é mesmo aconselhável que haja dois temas polêmicos como estes juntos na pauta.


Além de tudo isso, na semana que vem se inicia a campanha eleitoral nos municípios, de que participam os deputados. Temporada, portanto, de baixo quórum. Outra alternativa seria pautar a cassação para logo após o impeachment. Porém, se ele for aprovado, Michel Temer irá à China, para uma reunião do G-20, e Maia assumirá a Presidência da República.

À parte querelas políticas em torno do calendário da Câmara, importa é que se vislumbra o momento em que deverá ser enfim punido, na esfera política, quem se converteu num símbolo da corrupção e da falta de escrúpulos. Inclusive por usar seus postos na Casa (líder de bancada, presidente da Câmara) em proveito próprio, no aspecto pecuniário e político. Denunciado três vezes ao Supremo pelo Ministério Público e réu já em dois processos, Cunha é, entre os políticos, um dos destaques na Lava-Jato. A operação que fez de criar dificuldades para fornecedores da Petrobras na Câmara, a fim de cobrar propinas deles, está bastante documentada.

Cunha, especialista no regimento da Câmara e, pelo visto, eficiente arrecadador de dinheiro de caixa dois, criou uma bancada própria na Casa, à base do toma lá, dá cá. Mas não conseguiu evitar que o Conselho de Ética, na mais longa tramitação de um processo no órgão, aprovasse sua cassação, por mentir ao garantir não ter contas no exterior. Tinha, mas sob o disfarce de trust, o qual tentou explicar como se fosse um ente etéreo, de outro mundo. Não evitou, também, que o juiz Sérgio Mouro denunciasse a mulher, Cláudia Cruz, por cometer crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Até decidir-se a renunciar à presidência da Câmara, no início de julho, o que não o salvou da penúltima derrota, no Conselho de Constituição e Justiça — agora, falta o plenário —, o deputado teve o mandato suspenso e foi afastado do cargo pelo Supremo, a pedido do MP.

O ineditismo da decisão demonstra a gravidade das acusações a Cunha. Não há, portanto, justificativa para a Câmara deixar de cassá-lo. Até como forma de contrabalançar os arranhões que deputados e senadores causaram na imagem do Legislativo, em todos estes anos em que parte deles aceitou a cooptação fisiológica do lulopetismo.

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