A inflação em julho foi a maior para o mês desde 2000 e, em consequência, a variação do IPCA em 12 meses recuou pouco, de 8,84% para 8,74%. Se persistir essa lentidão, exasperante diante da maior recessão da história, o Banco Central se verá desestimulado a realizar a descompressão da política monetária e a promovê-la de forma mais suave e vagarosa que o previsto. O Brasil nas últimas duas décadas teve taxa de juros extravagantes e elas se tornaram ainda mais excêntricas em um mundo em que prevalecem juros reais perto do zero. A própria recuperação da economia, que não tende a ser vigorosa, deve ser ainda mais raquítica sem um empurrão decisivo da redução dos juros.
O IPCA de julho não trouxe boas notícias, mas não reverteu a tendência para o resto do ano. Os preços dos alimentos puxaram o índice e os dos serviços voltaram a subir. O índice de difusão aumentou, de 55,2% em junho para 59,5%, ainda assim abaixo da média história calculada pela MCM Consultores, de 62,8% (Valor, ontem). Os núcleos de inflação mal oscilaram para baixo.
A inflação dos alimentos recebeu nos últimos meses uma pancada de cereais e leguminosas (17,5% no mês, 52,9% no ano), e de leite e derivados (10,48% e 29%, respectivamente). Já a variação dos preços dos serviços avançou em julho e em doze meses, de 7,03% para 7,12%. Os serviços ficaram por muito tempo com alta anual perto de 9%, e se esperava queda mais consistente diante da diminuição da renda, da massa de salários e do aumento do desemprego.
Dos dois grupos que mais pesaram, o de alimentos foi o mais importante, com 0,34 ponto percentual do índice cheio de 0,52%. Há motivos para se esperar um comportamento muito mais moderado daqui para frente. "Parte da evolução recente dos preços dos alimentos no IPCA ainda é reflexo da intensa desvalorização cambial ocorrida no segundo semestre de 2015 e dos choques de preços no atacado provenientes dos problemas de safra ocorridos no primeiro trimestre deste ano", apontam Maria Lameiras e Leonardo Carvalho em recente carta de conjuntura do Ipea. O comportamento do câmbio já se inverteu radicalmente na direção da valorização - 26% no ano até ontem.
Na mesma direção vai a previsão do Citi americano, ao apontar que os preços dos alimentos entraram em colapso, já são uma potente força deflacionária nos países emergentes e porão fim às políticas de aperto monetário no Brasil, Colômbia, Peru e Chile. O motivo é que de abril a junho, soja e derivados subiram 30%, acompanhados por majorações globais do açúcar, milho e arroz. Desde junho, os preços caíram de 15% a 20% e continuarão apontando para baixo, diante de boas safras estimadas para EUA, Canadá, Austrália e Rússia. (Financial Times, ontem).
Como a participação no resultado final de alimentação é hoje de quase 30%, a redução pode ser importante. Já o comportamento dos serviços, que sofrem boa influência do salário mínimo, é mais difícil de prever. Pela lógica, devem cair mais. Pelo IBGE, o volume de serviços arrefeceu 4,9% no ano, e 3,4% em junho, com variação da receita nominal muito perto de zero. E, em 12 meses, os serviços prestados às famílias caíram 5,2%. Por outro lado, é grande a inércia nos preços desses bens, influenciados pela correção do mínimo, que atingiu quase 11% este ano. A continuidade prevista de corrosão dos salários e desemprego maior podem contribuir para algum ganho adicional no IPCA nos próximos meses.
As previsões para a inflação em 2016 estão estacionadas um pouco acima de 7%. Há quem julgue, como o especialista Salomão Quadros (Ibre-FGV), que o IPCA pode cair para 5,5% a 6% em 2017, ficando ainda longe do centro da meta de inflação, de 4,5%, porque os preços administrados, responsáveis por 90% da redução do IPCA, não terão o mesmo comportamento no ano que vem (O Estado de S. Paulo", ontem).
O calendário previsto para um corte de juros, em outubro, vai ficando apertado. O BC deixou claro que vai mirar os 4,5% em 2017 e que não se moverá até que isso esteja assegurado. A política monetária já age sobre 2017 e eventuais desvios na meta retardarão o ciclo de afrouxamento. A maior probabilidade ainda é a de que o IPCA caia o suficiente para que os juros entrem em trajetória de baixa. Mas o índice de julho lançou uma dúvida sobre isso.
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