- O Estado de S. Paulo
O dilema é caminhar com passos de 0,75 ou 1 ponto por reunião rumo à Selic neutra
O Banco Central está acelerando o ritmo do corte de juros da economia brasileira. Nas reuniões de outubro e novembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) fez dois cortes na Selic, a taxa básica de juros, de 0,25 ponto porcentual cada. Em janeiro e fevereiro, o ritmo de baixa por reunião saltou para 0,75 ponto. Ontem, na divulgação da ata do Copom de fevereiro, o BC deixou claramente aberta a porta para mais um salto, com cortes de 1 ponto nas próximas reuniões. Por outro lado, também sinalizou que esta última possibilidade dependerá de fatores tanto estruturais quanto conjunturais.
De forma resumida, é possível dizer que a inflação está caindo mais do que o antecipado, e a economia está se recuperando menos que o desejável. Esta é uma situação clássica em que bancos centrais tendem a pisar mais fundo no acelerador, aumentando o ritmo do corte dos juros ou sinalizando que o ciclo de baixa pode ir mais longe.
Uma questão adicional, levantada pela última ata, é sobre a chamada “taxa de juros estrutural” da economia, ou o juro neutro. Simplificadamente, é a Selic que nem acelera nem desacelera a demanda e, portanto, a inflação. Com a economia ainda combalida e a inflação apontando para baixo, o mínimo que o BC pode fazer é levar a Selic para o nível neutro. Seria até possível pensar em levá-la para um patamar inferior ao neutro, para impulsionar a demanda.
De qualquer forma, quanto menor for o nível neutro, mais o BC tem espaço para reduzir a Selic no atual ciclo de baixa. Como, com certeza, a taxa básica ainda está muito acima do que seria a Selic neutra, por que não levá-la o mais rapidamente possível até bem próximo desse nível?
Esticado ao extremo, esse raciocínio poderia sugerir que o Copom devesse fazer um corte de dois pontos porcentuais ou até mais, levando a Selic direto para perto de 10%, o que já seria próximo do nível neutro estimado em torno de 9,5%. Mas a não ser em condições excepcionais, bancos centrais não fazem movimentos tão abruptos, que geram instabilidade e insegurança na economia.
Assim, o verdadeiro dilema atual é caminhar com passos de 0,75 ou 1 ponto por reunião rumo ao nível neutro da Selic. Para uma mesma Selic neutra, cortes de 1 ponto significam um ciclo mais rápido e mais curto do que reduções de 0,75 ponto. Por outro lado, se o BC achar que o juro neutro é mais baixo do que se pensava – e que, portanto, a distância até ele é maior –, é capaz que se sinta mais estimulado a acelerar o passo para 1 ponto.
É importante frisar que o juro neutro não é um indicador econômico diretamente observável – na verdade, bancos centrais e analistas econômicos tentam continuamente estimá-lo, com a única certeza de que jamais saberão ao certo.
Mas não é apenas a questão do juro neutro que vai determinar os próximos passos do Copom, como fica claro na ata. Os indicadores econômicos serão constantemente monitorados: surpresas positivas na inflação e negativas na atividade econômica apontam na direção de mais e maiores cortes, e vice-versa.
E há ainda riscos externos e internos. Na área internacional, a situação melhorou. Na ata de janeiro, aparece quatro vezes a expressão “fim do interregno benigno” para se referir à instabilidade que se instaurou nos mercados globais, especialmente após a eleição de Donald Trump. É verdade que a mensagem de janeiro foi de que não estava sendo tão ruim assim. Mas em fevereiro a coisa melhorou tanto que a própria expressão “fim do interregno benigno” foi suprimida.
E, finalmente, no front interno há a questão de toda a agenda reformista do governo, com destaque para a reforma da Previdência. O Copom deixou claro que esse é um fator que reduz a taxa neutra e, portanto, aumenta o espaço para corte da Selic. Ou seja, quanto mais sólida for a política fiscal, menores os juros.
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