- O Globo
O governo Temer ficará sempre sob a pressão da dúvida. Uma dessas incertezas está no TSE e na ação proposta pelo seu atual aliado, o PSDB. O depoimento de Marcelo Odebrecht confirma o que já se sabia ou se suspeitava. A chapa foi beneficiada por efeito do abuso do poder econômico. Usou o fato de que governava o país para, em troca de facilidades, receber dinheiro de forma irregular.
Os dois, Dilma e Temer, são inseparáveis neste ponto. Vieram do mesmo rio, foram águas misturadas. Brigaram depois, se separaram e tomaram cursos distintos, mas é o mesmo rio de origem. O fato de o presidente estar ameaçado por uma ação proposta por seu aliado tucano é apenas mais um exemplo do caprichoso enredo da política brasileira. O PSDB pode até estar arrependido a esta altura, mas a Justiça Eleitoral tem que continuar a análise e julgar diante das evidências e provas daquela campanha em tudo condenável.
O mesmo governo propõe reformas que o Brasil precisa enfrentar e decidir a respeito. São mudanças que ajudam a economia e o efeito positivo já é possível ver no mercado financeiro, em que todos os indicadores melhoraram fortemente, e também na economia real. O governo Temer mudou para muito melhor a direção e orientação da Petrobras, do BNDES e da política econômica. Propôs uma reforma da Previdência que tem defeitos, mas está na direção certa. Tem projeto na área trabalhista que pode melhorar a oferta de emprego. Está enfrentando questões difíceis que foram criadas no governo da ex-presidente Dilma, no qual Temer, apesar de vice-presidente, não tinha ingerência administrativa.
O fato de todas essas propostas estarem melhorando o difícil quadro econômico não pode jamais ser argumento para que se interrompa ou reduza o ritmo das investigações. Sobre o governo Temer pairam, além da ação do TSE, as decisões que o procurador-geral da República tomará sobre todo o mar de informações que tem em cima de sua mesa e que vieram das delações da Odebrecht.
O país anda em terreno instável. Os tremores vêm da mais importante travessia que o Brasil está fazendo: o combate à corrupção. Ele cobra preços altos, mas vale a pena pagar porque a chance de ouro que o país tem no momento é de mudar radicalmente a maneira como se organizaram as relações entre o setor privado e o setor público.
Recentemente numa entrevista o advogado Theo Dias, que negociou a delação da Odebrecht, disse que colaboração premiada é como uma rendição. Quem se rende é porque se sente cercado, sem possibilidade de fuga ou defesa, dominado pelo adversário. No caso, o adversário é o Direito, a Justiça, portanto, esse ato de rendição é uma excelente notícia para o país. A Justiça tem ido mais longe do que a maioria dos brasileiros esperava e precisa continuar no seu projeto.
Numa entrevista ao “Estado de S. Paulo”, o ex-ministro Nelson Jobim criticou a “espetacularização” das condutas da Lava-Jato, em referência ao juiz Sérgio Moro. “Há exageros. Inclusive nas prisões que são feitas em Curitiba, em que as coisas vão se prolongando e resultam em delações”. Como jurista que é, Jobim não ignora que Curitiba não é uma ilha judicial, e que as decisões do juiz Moro, inclusive nas prisões que ele acha que “se prolongam” indevidamente, foram confirmadas pelo colegiado da segunda instância. E se elas resultaram em delações, melhor para a sociedade brasileira que sabe hoje o que não sabia antes.
Nem a economia, nem a política podem ser constrangimentos para que se interrompam as investigações que estão ajudando o Brasil a corrigir os velhos defeitos e desvios da democracia brasileira.
O país precisa retomar o crescimento e voltar a criar emprego. Mas esse caminho será mais sólido se as instituições continuarem combatendo as relações promíscuas entre os governantes e as empresas escolhidas para serem sócias e beneficiárias do poder.
As razões da economia não podem subordinar as razões do combate à corrupção. Esse difícil e decisivo momento da história tem que ser vivido assim mesmo: enquanto tenta sair do atoleiro econômico em que foi jogado por imperícia do governo anterior, o país tem que continuar investigando os obscuros caminhos da política que envolvem também a atual administração.
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