Parte do eleitorado da esquerda radical francesa cogita de votar em Marine Le Pen, da extrema direita
Andrei Netto | O Estado de S.Paulo
PARIS - Estudos realizados sobre a transferência de votos nas eleições presidenciais na França mostram a confusão ideológica instalada no segundo turno da corrida ao Palácio do Eliseu, travada entre o centrista Emmanuel Macron e Marine Le Pen, de extrema direita. Uma parte da direita tende pelo voto na candidata nacionalista, enquanto uma parte da esquerda radical opta pela abstenção.
Os gráficos mostram que, mesmo diante de dois programas opostos - um pró-globalização, outro contrário -, sem os partidos históricos o voto se tornou fluído e pode migrar da extrema esquerda para a extrema direita.
O segundo turno das eleições presidenciais na França ocorre no próximo domingo, duas semanas depois da primeira rodada, que terminou com vantagem para o candidato do recém-criado partido En Marche!, com 24% dos votos. Atrás dele ficou a líder da Frente Nacional (FN), com 21,3%.
Pesquisas de opinião nos últimos dias são unânimes em mostrar uma tendência de vitória de Macron, que teria em média 60% das intenções de voto, contra 40% de Marine Le Pen. Esse cenário é construído a partir da perspectiva de transferências de votos dos candidatos derrotados e pela formação do que os franceses chamam de “Frente Republicana” - a reunião dos partidos não extremistas em defesa do voto contrário aos candidatos da Frente Nacional.
Em 2002, essa união de forças fez diferença em favor de Jacques Chirac. Em um disputado primeiro turno, o então presidente Chirac obteve 19,88% dos votos. Em um surpreendente - e chocante - segundo lugar ficou Jean-Marie Le Pen, pai da atual candidata, com 16,86%. Então primeiro-ministro, o socialista Lionel Jospin acabou eliminado com 16,18% dos votos, depois de ser abandonado por parte do eleitorado de esquerda que o considerou moderado demais.
Fato inédito, a chegada de um candidato de extrema direita com perfil antissemita, islamofóbico e xenófobo à final da eleição na França provocou manifestações de rua gigantes e uma mobilização inédita no país. Chirac acabou reeleito com 82,21% dos votos, contra 17,79% de Le Pen.
Quinze anos depois, a “Frente Republicana” formada contra Le Pen não para em pé. No tabuleiro de apoios, quatro outros nomes têm mais peso, e desses só a metade anunciou apoio a Macron. Depois de encerrar o primeiro turno muito próximo de roubar de Marine Le Pen o segundo lugar, o conservador François Fillon, do partido Republicanos, optou por um apoio a Macron ainda na noite do primeiro turno. Mas seu eleitorado, que somou 20% dos votos, se divide fortemente, de acordo com pesquisa do instituto Harris Interactive: só 42% seguem o conselho de Fillon e pretendem votar Macron, enquanto 30% prefere a abstenção e 28% escolhem Le Pen.
Dentre os partidários do radical de esquerda Jean-Luc Mélenchon, 45% pretendem votar em Macron, mas 42% optam pela abstenção, pelo voto nulo ou branco, enquanto 13% do eleitorado, prefere Marine Le Pen - passando da esquerda radical à extrema direita em 15 dias. Le Pen e Mélenchon são críticos da União Europeia.
Nessa conjuntura, os mais fiéis à ideia de união contra a Frente Nacional são os eleitores socialistas, que no primeiro turno votaram no ex-ministro da Educação Benoit Hamon. Destes, 69% dizem que optarão por Macron, 26% pela abstenção, branco ou nulo, enquanto 5% preferem Le Pen.
Para cientistas políticos, a hipótese de uma coalizão contra a Frente Nacional não se sustenta mais. “Uma parte do eleitorado de Mélenchon é irrigada pela extrema esquerda e vê em Macron o representante do capitalismo liberal”, diz Jean Petaux, pesquisador do Instituto de Estudos Políticos (IEP) de Bordeaux. Para Olivier Rouquan, da Universidade Panthéon-Assas, de Paris, a rejeição generalizada gera estigmatização, reforçando a postura de “candidata antissistema” de Marine Le Pen.
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