Há sinais no ar de que o governo se inclina para compensar sindicatos patronais e de trabalhadores pelo fim do imposto sindical, ou a dar a ele uma indevida sobrevida. Criado pela Constituinte de 1937, batizada de "Polaca", no mesmo dia em que Getúlio Vargas implantou a ditadura do Estado Novo, o imposto existe há 80 anos. O espírito autoritário que o concebeu segue existindo discretamente sob o pano de fundo das tentativas dos que não querem abrir mão desses recursos. Os sindicatos, empresariais ou de empregados, são por lei delegações e apêndices do Estado. Nada melhor que um tributo para sustentá-los e dar-lhes perenidade, independentemente da conduta de seus dirigentes.
O efeito mais visível da "contribuição" obrigatória, correspondente a um dia de trabalho, no caso do empregado, e de 0,5% a 2,5% da folha salarial, no caso das empresas, foi manter entidades fantasmas representando os dois polos da produção. Em ambos, pelegos sobrevivem com esses recursos. Não só eles - há federações estaduais e, congregando-as, confederações que precisam ser sustentadas. Até a redemocratização de 1985, havia verdadeiras dinastias nessas entidades, uma prática que se perpetua, mesmo nas metrópoles do Sul e Sudeste.
Por sua natureza, os sindicatos são organizações associativas de livre adesão. No Brasil, quase nunca foram. A dependência do Estado tornou-se um costume arraigado, não só na área trabalhista, e, como todo costume, é difícil de ser erradicado. No imposto penduraram-se camadas de burocratas da indústria e dos trabalhadores, intermediários cuja remuneração e prioridades frequentemente são distintas das bases das quais advêm sua representação. A última contabilidade (feita por André Gambier, do Ipea) alinhava 10.817 entidades de trabalhadores e 5.251 patronais, 549 federações, 43 confederações e 7 centrais nacionais.
A reforma trabalhista foi um "teste" para a aprovação da urgente reforma da Previdência e é em nome da necessidade de arregimentar votos no Congresso para obter dois terços e duas votações em cada Casa que o governo Temer tem barganhado apoios - e aberto o flanco para acordos nocivos. No caso do imposto patronal, a oposição é mais diluída, pois as entidades empresariais dispõem de outra fonte de recursos, as verbas do Sistema S, que lhes permitem arrematar R$ 16 bilhões, cinco vezes mais que a contribuição obrigatória. Já nas entidades de trabalhadores, e em especial na Força Sindical, e não só nela, há manobras para que nada mude muito ou pela obtenção de compensações pelo fim de um tributo iníquo.
Para o governo, o fim da contribuição obrigatória é um abacaxi que, em princípio, não pretendia descascar. Ele foi colocado na reforma trabalhista pelo relator Rogério Marinho (PSDB-RN) e o presidente Michel Temer, em entrevista, deixou claro que essa é uma briga séria que não quer comprar e que haverá "compensações" se o Congresso realmente aprová-la. Por outro lado, como quer abrir espaço para a votação tempestiva da reforma da Previdência, a reforma trabalhista não pode sofrer modificações no Senado, o que a faria voltar à Camara dos Deputados. A promessa, aparentemente, é a edição de uma MP que traga as tais compensações e, talvez, uma transição generosa até o fim do imposto.
Ao cortar o vínculo financeiro com o Estado, as organizações sindicais terão de fazer o que sempre se esperou que fizessem: disputar associados e tornar-se necessárias para suas categorias ou setores. Boa parte das reclamações contra o fim do imposto deixam de lado outras considerações que poderiam facilitar essa tarefa. A septuagenária CLT determina a representação por município, arcaísmo que enfraquece os sindicatos, restringindo-lhes os horizontes, como lembra Helio Zilberstajn, professor da USP. Com a unicidade, os atuais sindicatos não só detêm o monopólio da representação e das verbas repassadas, como complementaram-nas com outra, a contribuição negocial, decidida em assembleia, com cobrança extensiva a não sindicalizados. O STF considerou a cobrança inconstitucional.
Não há dúvidas que, sem a mamata do imposto sindical, muitas organizações patronais e de trabalhadores desaparecerão. A perda que o fim do imposto trará, nesse caso, não é grande: a maior parte delas simplesmente perdeu a razão de existir.
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