- Valor Econômico
Jorge Arbache lamenta ausência dos jovens no debate
Em 2017, a União vai gastar com a previdência dos trabalhadores do setor privado e a do funcionalismo público R$ 671 bilhões, o equivalente a cerca de 10% do PIB. Esta montanha de recursos corresponde a 58,6% da receita líquida total do governo neste ano. O déficit da previdência social deve chegar a R$ 190 bilhões. Já o rombo do regime próprio de previdência dos servidores públicos federais deve somar R$ 85,2 bilhões. Não estão contabilizados nesse valor os déficits previdenciários dos municípios e Estados.
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, informa que o déficit da previdência tem crescido à ordem de R$ 50 bilhões por ano. Há dez anos, a previdência já consumia mais de 40% das receitas do governo e, mesmo assim, nada foi feito para enfrentar ou mesmo minorar o problema. "Se nada for feito, essa participação [do gasto previdenciário] seguirá crescendo e, rapidamente, restará basicamente uma opção para financiar a previdência: trabalhar mais e pagar mais impostos", adverte Jorge Arbache, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento.
Esses números deveriam ser razão suficiente para qualquer cidadão, em sã consciência, não dar ouvidos à propaganda antirreforma promovida pelas centrais sindicais e os sindicatos dos funcionários públicos. Tirando proveito das redes sociais para fazer terrorismo, espalhar o pânico e desinformar, os antirreformista têm lançado mão de práticas como a disseminação de "fake news" (notícias falsas), isto sem falar nas ameaças diretas feitas aos parlamentares que vão votar a reforma no Congresso.
Os trágicos números da previdência nada têm de ideológico. É fato que o déficit resulta da existência de critérios complacentes de acesso a benefícios previdenciários no e de uma série de auxílios concedidos a cidadãos que nunca contribuíram para o INSS, decorrentes do pacto social inscrito na Constituição de 1988. A reforma em tramitação na Câmara não revoga essa pacto, mas muda os critérios de acesso.
Quando se afirma que o futuro do Brasil está em jogo na votação da reforma da previdência, não há exagero algum. "É um enigma a ausência dos jovens nos debates sobre a reforma da previdência social. Afinal, eles serão, de longe, os maiores beneficiados de uma reforma que venha a reorganizar a previdência e enfrentar os desafios da sua sustentabilidade financeira", diz Jorge Arbache, que é economista sênior do Banco Mundial e especialista em temas como comércio internacional, investimento, produtividade, competitividade, inovação, economia digital, indústria e serviços.
"Para que possamos criar oportunidades para que os jovens possam participar de forma ativa das profundas transformações tecnológicas que já estão redesenhando a forma como se geram riquezas e prosperidade, será preciso aumentar os investimentos públicos em conhecimento, bandas largas, laboratórios e centros de pesquisa, cidades inteligentes, sistemas modernos de conexões físicas e virtuais e outras infraestruturas avançadas que coloquem o Brasil no jogo da competição global", observa ele.
O problema é que, enquanto não se resolve o problema fiscal brasileiro, e este passa obrigatoriamente pelo enfrentamento do déficit da previdência, não há espaço na agenda pública para nenhum dos temas mencionados. Neste ano, por exemplo, o governo federal vai investir R$ 30 bilhões, menos de um sexto do déficit da previdência social.
Os recursos serão usados em áreas como estradas, portos, ferrovias e energia, todas vitais para o aumento da produtividade da economia brasileira, mas, como lembra Arbache, relativas a uma agenda para cuidar do que se deixou de investir no passado. A agenda do futuro fica para depois ou, sem as reformas, para nunca.
A "herança" previdenciária que será deixada para as próximas gerações é composta de dois fatores. O primeiro, diz Arbache, é a razão de dependência de idosos, expressa pela divisão da população com idade acima de 60 anos pela parcela em idade para trabalhar. Quanto maior é a razão de dependência, maior será o esforço que os trabalhadores terão que fazer para honrar os benefícios dos que já não trabalham. Em 2005, a razão de dependência era de 9,8 idosos para cada 100 indivíduos em idade para trabalhar. Em 2015, a razão já havia passado para 14,3. "O problema é que a razão de dependência vai acelerar rapidamente daqui para frente, e deverá mais que dobrar nos próximos 20 anos", prevê Arbache.
O segundo fator da "herança" previdenciária são os critérios de acesso aos benefícios. No Brasil, a idade média de aposentadoria é inferior a 55 anos, faixa incompatível com a mudança demográfica em curso no país - a expectativa de vida de uma pessoa aos 55 anos já é de 81 anos. Muitos nunca contribuíram para a previdência e outros, muito pouco. O regime de pensões é extremamente generoso e custa cerca de 3% do PIB por ano, um dos mais altos do mundo.
"Os funcionários públicos, grupo ao qual pertenço, aposentam-se muito cedo e recebem aposentadorias elevadas e integrais", critica Arbache. Além disso, as mulheres se aposentam mais cedo e vivem, em média, quatro anos mais - problema que a reforma perpetua ao manter a diferença -; e algumas carreiras públicas e privadas têm direito a aposentadoria especial, diminuindo a idade com que se aposentam.
"Se, de um lado, pouco pode ser feito para mitigar os efeitos da mudança demográfica no tamanho da 'herança' deixada para os jovens, de outro, muito pode ser feito quanto aos critérios de acesso aos benefícios que afetam aquela 'herança'. E é aqui que a reforma da previdência pode fazer toda a diferença", argumenta Arbache. "No fundo, o que está na mesa é um 'jogo de empurra' em que os mais ausentes serão os que provavelmente mais pagarão a conta. O que temos aqui é uma espécie de conflito distributivo entre gerações."
Por isso, chama atenção o alheamento dos jovens na reforma. A explicação pode estar na descrença no debate político ou na intuição de que haverá novas reformas no futuro. A baixa qualidade do debate e a polarização política excessiva, que faz com que uma força política - o PT, por exemplo - seja contrária hoje a medidas que defendeu quando governava o país, talvez expliquem a alienação. "Devemos perseguir um princípio básico, simples e democrático: todos terão que contribuir para a reorganização da previdência", defende Arbache.
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