quarta-feira, 10 de maio de 2017

A psico-história de um líder | *Paulo Delgado

- O Estado de S.Paulo

Tentando uma saída para o narcisismo com que se conduziu no poder, mais se enrosca.

Não há defesa para quem viola leis da admiração. A frustração é a desrealização de um desejo. Com insinceridade a história não será interpretada de forma apropriada a nenhum roteiro. Comparando sua vida com o destino do País, imaginou-se um escoteiro autoglorificado. E avançou no erro de querer a alma da Nação.

Quando um líder popular se dispõe a errar, supõe ser invisível. Só ele sabe da súplica secreta que dirige a Deus. Sedutor seduzido acusa o alfaiate de o vestir com o pano que o revela.

Ele não foi bem um líder novo. Desenvolveu com habilidade temas velhos, mas, por não querer ir além do “mundo do seu eu”, não formou uma estrutura cultural sólida, diversificada, que o afastasse de praticar o pecado que imitou. E agora, tentando uma saída para o grande narcisismo com que se conduziu no poder, mais se enrosca, na proporção e nos detalhes, para explicar a dessublimação que marcou o seu governo.

A cada dia nos oferece uma atitude puramente imatura, visão aduladora e insegura de quem flutua em realidade que não existe mais. Como personagem à procura de um autor, ocupa advogado com a bazófia de pedir ao juiz para fazer da audiência filme de um martírio, souvenir da súmula delirante em que vive.

A dificuldade que encontra para conseguir apoio para sua história é que ela não está mais ancorada no seu tempo. Estão esgotadas, por culpa dele, as forças da mudança que o escolheram. E sem se renovar, escravo de fraquezas, quer convencer o País de que não é dele o que ele usa. Sem autocrítica, não vê que modos privados, valores, são mais universais do que normas públicas.

A maldade fabrica o tormento contra si mesmo. Pesquisas de opinião mudam humores, mas não temperamento. Não há como esquecer alguém que foi eleito por dizer não aceitar “tudo isso que está aí”, mas desfrute dos expedientes próprios do uso do poder, como criticava. Como não foi perguntado sobre suas atitudes, na época certa, por graus mais elevados da hierarquia dos juízes, não aceita que agora, que não tem mais influência para determinar o que quer ouvir, um juiz de fora da capital federal, rompa a tradição e anuncie a morte de um período histórico com seu principal personagem ainda vivo. Para ele, perseguição a um herói; para o Brasil não é o destino final: o barco do mito não tem mais a simpatia do vento!

Freud não gostava muito de aplicar a psicanálise ao entendimento da personalidade de um líder. Lacan justificou-o: muitos são canalhas e, se analisados, pioram. William Bullit, um diplomata, convenceu Freud a analisar Woodrow Wilson, presidente dos Estados Unidos, e o mal que fez à Europa. O estudo que saiu dali mostra que os processos psíquicos vividos pelo presidente durante sua vida suplantaram os processos sociais vividos pelo mundo. Como benfeitor “desinformado, superficial e manipulador”, Wilson neurotizou a América e levou ao colapso da democracia na Europa.

Presidentes da República não gostam de ser ouvidos por juízes. Luiz, o Verde, não gosta de ouvir a sua consciência. Prefere acusar os outros por suas dores. Mas gosta de deixar todos esperando, sempre aplaudindo, como se um microfone perdoasse todas as ofensas. Usa a entrega e o silêncio do interlocutor, essa autoanulação coletiva que o cerca, para dar os comandos sem explicitar as ordens. Assim, emocionalmente protegido, alimenta o processo inconsciente que o remete à vantagem de chefiar. Não adianta querer descobrir se não quiser entender. Wilson enfrentou zombarias na sua formação, e zombarias incitam à falsidade e à violência.

Tire do homem a autodeterminação e leve dele a majestade. Isso o torna incapaz de repelir gestos de consolo e manipulação. Luiz, como idealista imaturo, protege sua personalidade com o silêncio dos outros e sofre porque não pede ajuda para saber por que não aceita dizer que errou. Nunca ouviu falar em Wilson, que embrulhou sua admiração pelas pessoas no esconderijo em que a motivação para o poder foi a forma de se livrar da opressão que o cercava.

Ajustou o Estado à sua maneira de ver a vida e, confundindo carências pessoais com programa de governo, modos de rua com popularidade, improvisação com criatividade, transparência com burocracia, direito à diferença com diferença de direitos, fez da indolência de maneiras uma ginga. Com ela enfiou ideologia na cobiça: as exigências ao rico eram desejos do pobre.

Superestimado, alimenta-se da reputação dos que o apoiam. Importunado, apela aos auditórios indulgentes como a doença procura pelo remédio. Não terá paz enquanto continuar a crer que discurso tem poder de forjar a realidade. Tomando tempo do País com suas desculpas, quer convencê-lo de que a amizade que usufruía, para fazer aumentar sua influência, deve ser considerada inimizade. E sofismando sobre sua responsabilidade, desdenha dos encarcerados, culpando o rio pela inundação do mar.

Supondo fazer o bem, transformou o Estado numa instituição de sacrifício para a Nação. Assim, dar o que não lhe pertencia passou a ser a mais magistral compreensão da arte de governar. Desse modo, só mapeando a planura de críticos em que acomoda o território ao seu redor é possível entender como um líder leva para casa bens ofertados ao chefe de Estado do País.

120 anos antes, de tão magro, “o jagunço degolado não verte uma xícara de sangue e morto não pesa mais do que uma criança”. Não pode ser engano de toda uma geração um líder popular envergonhar Antônio Conselheiro por peripécias nas mansões da encosta de Salvador. Euclides da Cunha não escreveria Os Sertões se, na Bahia de Todos os Santos, o “oprimido” passeasse de short na canoa do “opressor.

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*Sociólogo, é coordenador do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) Nacional e copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio de São Paulo.

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