quarta-feira, 10 de maio de 2017

Civis julgados por tribunais militares

Entidades denunciam que mais de 300 manifestantes presos nas recentes marchas opositoras na Venezuela já foram levados a tribunais militares pelo governo do presidente Maduro.

Sob os coturnos da Justiça

OEA, oposição e ONGs denunciam governo Maduro por uso de cortes militares contra civis

Janaína Figueiredo | O Globo

BUENOS AIRES - Os 16 jovens detidos na semana passada após participarem de um protesto opositor no estado venezuelano de Zulia — quando uma estátua do falecido presidente Hugo Chávez foi derrubada — tiveram ontem sua primeira audiência num tribunal militar, segundo meios de comunicação locais. No último mês, denunciaram ONGs, o governo do presidente Nicolás Maduro intensificou a utilização da Justiça militar para julgar civis, alegando que, em todos os casos, foram cometidos crimes militares como traição à Pátria e instigação à rebelião. De acordo com a Foro Penal, atualmente mais de 300 manifestantes presos em marchas opositoras recentes foram levados a tribunais militares, onde a subordinação ao Executivo é total, ao contrário do Ministério Público (MP), que vem expressando divergências em relação ao aprofundamento da repressão. A utilização da Justiça militar contra civis foi rechaçada ontem por ONGs, pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelo presidente da Assembleia Nacional (AN), Julio Borges.

A militarização do governo venezuelano é cada vez mais profunda. Anteontem, Maduro anunciou uma “Constituinte militar”, sem dar detalhes de um processo cada vez mais confuso e questionado, segundo fontes venezuelanas, até mesmo pelos tradicionais mediadores aceitos pelo chefe de Estado, como o ex-presidente do governo espanhol José Luis Rodriguez Zapatero (que teria, segundo as fontes, manifestado a Maduro suas críticas ao processo). Mas nada parece conseguir mudar o rumo traçado pelo presidente e seus aliados, principalmente a Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb).

OPOSITORA VEM A BRASÍLIA ENCONTRAR TEMER
Desde que a procuradora-geral da República, Luisa Ortega, disse que “não pode exigir um comportamento pacífico da cidadania se o Estado toma decisões que não estão de acordo com a lei”, o Palácio de Miraflores optou por dar mais poder aos tribunais militares. A Constituição venezuelana não proíbe que civis sejam julgados dessa forma, mas limita a atuação dos magistrados a “crimes militares”.

— O escandaloso da estratégia do governo é acusar manifestantes opositores, jovens que estão protestando por seus direitos, de crimes militares — afirmou o advogado Alonso Medina, um dos diretores da Foro Penal, que adverte que tribunais militares foram acionados em todo o país. — Em Valencia, tivemos 45 casos há dois dias, e ontem (anteontem), outros 20. É tudo muito dinâmico.

O estado onde os tribunais militares estão mais ativos é Carabobo, governado pelo militar reformado Francisco Ameliach, alinhado com Maduro. Nas últimas semanas, a região foi cenário de saques e protestos violentos contra o governo, criando um clima de verdadeiro descontrole.

— Os juízes militares são absolutamente parciais e favoráveis ao governo — enfatizou Medina.

O papel dos tribunais militares, criticado pelo secretário geral da OEA, Luis Almagro, foi defendido pelo ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López.

— Quando um oficial da Fanb ou um bem da Fanb são atingidos, estamos em presença de um crime militar — justificou Padrino López.

Os casos se multiplicam diariamente. Até o ano passado, eram confirmados um ou dois por mês. Hoje, são dezenas por dia.

— No começo do ano, tivemos um caso emblegoverno, mático, o do professor Santiago Guevara, de Carabobo (acusado de traição à Pátria). Mas hoje estamos falando em mais de cem civis sendo julgados por militares, só em Carabobo — assegurou Rocio San Miguel, diretora da ONG Controle Cidadão. Para ela, é uma forma de terrorismo de Estado: — O governo está criminalizando a oposição através da Justiça militar porque o Ministério Público não se prestou a isso — enfatizou Rocio.

O posicionamento de Luisa Ortega, que também se opôs à Constituinte de Maduro, teria obrigado o governo a dar ainda mais poderes aos militares.

— A procuradora negou-se a ser cúmplice de uma repressão brutal e inconstitucional — explicou a diretora da Controle Cidadão.

Rocio é especialista em temas militares e, para ela, como para muitos venezuelanos, a anunciada “Constituinte militar” de Maduro ainda é uma incógnita. A única certeza, disse, “é que os militares terão ainda mais influência dentro do na política e na economia”.

— Teremos militares mais politizados e menos profissionais. A ideia, claramente, é transformar o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) num partido cívico-militar.

O caminho escolhido por Maduro parece ser mesmo a militarização plena e oficial da Venezuela, em termos políticos e econômicos. A distribuição de alimentos, por exemplo, já está em mãos dos militares. Paralelamente, os civis do PSUV se preparam para treinamentos militares destinados, nas palavras do deputado Pedro Carreño, do próprio partido, “a contribuir com a defesa da nação”.

— Vamos fazer treinamento de tiro, de defesa pessoal, vamos nos preparar para todos os cenários — disse o deputado, em entrevista a uma TV local.

Por sua vez, a oposição continua nas ruas, enfrentando a repressão, mas hoje com menos poder de convocação do que há algumas semanas. Na área externa, ela mantém sua agenda de protestos e campanha internacional em repúdio ao que classifica como “golpe de Estado continuado”. Amanhã, o presidente Michel Temer receberá, pela primeira vez, uma liderança opositora venezuelana. Lilian Tintori — mulher de Leopoldo López, fundador do partido Vontade Popular, preso desde fevereiro de 2014 — viajará a Brasília para pedir mais pressão contra a Venezuela em âmbitos como o Mercosul e a União de Nações Sul-americanas (Unasul). Nos últimos dias, circularam rumores sobre um suposto envenenamento de López, que esteve mais de 30 dias isolado na prisão militar da Ramo Verde.

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