- O Estado de S.Paulo
Já no leito de morte, conta o escritor grego Plutarco, o rei Esciluro da Cítia (século 2 antes de Cristo) reuniu seus filhos e pediu a cada um deles que partissem um feixe de dez varetas. Nenhum deles conseguiu. Então, o rei desmanchou o feixe, tomou as varetas uma a uma e partiu-as todas. Em seguida, passou-lhes o aviso testamento: “Se permanecerdes unidos, ninguém vos quebrará. Se vos desunirdes, qualquer um partirá ao meio cada um de vós”.
O Reino Unido escolheu a separação. E vai mostrando fragilidades não somente perante os demais membros da União Europeia, mas também perante a si mesmo.
Nesta segunda-feira começam as complicadas negociações, previstas para perdurar pelo menos dois anos, que definirão os termos do divórcio, o Brexit. Os resultados da última eleição, convocada para dar mais força ao governo conduzido pela premiê Theresa May, do Partido Conservador, produziram o contrário. E o outro lado da mesa não tem motivos para complacência com um interlocutor que escolheu fugir de suas responsabilidades.
Depois do resultado do plebiscito desastroso promovido em 2016 pelo então primeiro-ministro David Cameron, deixou de existir a opção de não pedir a separação. Isto posto, cabe negociar o que será essa relação. Por um momento, o governo de Londres embalou a pretensão de manter a seu favor todas as vantagens de membro da União Europeia e, ao mesmo tempo, livrar-se dos deveres administrativos.
Tarde demais, o governo do Reino Unido começa a se dar conta de que o melhor acordo possível será pior do que não sair da União Europeia. E, no entanto, a probabilidade de obter um bom acordo está cada vez mais difícil.
Como 44% das exportações do Reino Unido têm como destino outros países-membros da União Europeia, o governo de Theresa May gostaria de manter o tratado de livre-comércio e a união aduaneira, para continuar dispensando as taxas alfandegárias no comércio recíproco, o que aumentaria o preço final dos seus produtos e serviços e lhes tiraria competitividade na mesma proporção. Esta, por si só, já seria uma exigência descabida. No entanto, mesmo se fosse aceita, o Reino Unido deixaria de participar das novas decisões e dos novos acordos. Como é mais provável que essa pretensão lhe seja negada, ficará inevitável perda de mercado, redução de produção e, obviamente, redução de investimentos, migração de empresas para outros países e certo desemprego.
Nessas condições, a City de Londres perderia quase inevitavelmente para Frankfurt e outras importantes cidades do capital a condição de grande centro financeiro, porque os bancos seriam obrigados a transferir seus escritórios e departamentos para onde fossem realizados os grandes negócios.
Mas a questão do comércio e das finanças é apenas um item de importância vital nas conversações. O outro é a questão da proteção aos direitos (e interesses) dos cidadãos ingleses que vivem hoje na União Europeia (cerca de 1 milhão) e dos cidadãos da União Europeia que vivem na Inglaterra (em torno de 3 milhões). Perderão seus passaportes e suas prerrogativas de ir e vir dentro do bloco? Perderão livre acesso aos postos de trabalho? Perderão direitos aos serviços de saúde, de educação e ao seguro social?
Ao optar pelo Brexit, o principal objetivo pretendido pela Inglaterra passou a ser livrar-se dos imigrantes indesejáveis, esses que, segundo boa parcela dos ingleses, chegaram para tirar-lhes o emprego e desidratar seus salários. Para isso, será preciso fechar as fronteiras internas. Mas como ficariam as que hoje existem entre Irlanda do Sul e Irlanda do Norte?
Negociações tão difíceis para a Grã-Bretanha teriam de ser conduzidas por um governo forte, de alta credibilidade. Mas não é o que acontece. Agora, Theresa May começa essa discussão na condição de zumbi político ou, na expressão do ex-ministro das Finanças George Osborne, na condição de “cadáver ambulante”.
Em outras palavras, além de vareta isolada, Theresa May, começa a negociação na condição de vareta atacada pela broca.
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