Criar legendas virou rentável negócio, pelo acesso ao Fundo Partidário e pela entrada em esquemas como o mensalão e o petrolão
Não faltam argumentos em favor da reforma política já aprovada no Senado e remetida para a Câmara. Os efeitos colaterais maléficos do excesso de partidos — 28 com representação no Congresso, dos 35 existentes, número que não para de crescer — são motivo suficiente para se defender a proposta. Segundo o projeto, de autoria dos senadores tucanos Ricardo Ferraço (ES) e Aécio Neves (MG), passará a vigorar a partir das eleições do ano que vem — caso seja aprovada até outubro — uma “cláusula de desempenho”. Por ela, o partido para ter bancada no Legislativo, com as prerrogativas de acesso ao Fundo Partidário e ao chamado programa eleitoral gratuito, precisará ter no mínimo 2% dos votos válidos concedidos aos candidatos a deputado federal, em pelo menos 14 estados. Em 2022, a cláusula subirá para 3%.
O julgamento da chapa Dilma-Temer, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), trouxe um reforço a esta reforma com o competente relatório do ministro Herman Benjamin. Derrotado na Corte, pois propunha a cassação da chapa, o voto de Benjamin constitui um relato consistente e lastreado em provas sólidas sobre o dilúvio de dinheiro sujo desviado de propinas geradas na Petrobras para partidos e políticos.
O reforço à reforma se deve ao relato, com cores fortes, de atos de corrupção cometidos no circuito PT-PMDB, mas não só. Centenas de milhões de recursos ilegais pagaram custos de campanha, entre os quais se incluiu, segundo a Lava-Jato, a distribuição de dinheiro entre legendas menores, na compra literal de tempos de TV e rádio.
Esses e outros fatos dignos do mais baixo clero do Legislativo têm sido apurados no saudável ciclo de devassa pelo qual a vida pública vem passando, e são forte estímulo a que esta reforma seja aprovada, em forma final, na Câmara, e com rapidez.
Lembre-se que o mensalão começou a surgir na campanha de Lula de 2002 e ganhou forma em seu governo, tendo o ministro José Dirceu como gerente do propinoduto, para azeitar a formação de ampla bancada no Congresso. É no que deu a excessiva liberalidade da legislação político-eleitoral, no que se refere à criação de partidos. Dentro do clima do início da redemocratização, os constituintes de 1987/88 confundiram direito de reunião e de livre manifestação com direito de se lançar partidos e mantê-los no Congresso mesmo sem votos.
Logo, criar legendas virou rentável negócio, pelo acesso ao Fundo Partidário, e pela entrada em esquemas como o mensalão e o petrolão. As cenas pornográficas de corrupção e toda sorte de ataque à ética, incluídas no relatório de Herman Benjamin e registradas na própria Lava-Jato, nascem neste ambiente de número excessivo de partidos e consequente dificuldade na costura de alianças que deem condições de governar ao Executivo. No segundo momento, começam a transitar as malas de dinheiro. A crise aponta para como é crucial uma renovação nos quadros da política, e por isso é imperiosa a existência de legendas com legitimidade, enraizadas na sociedade. O oposto do que ocorre na realidade.
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