Com recessão, recuperação do caixa do governo será lenta
Flavia Lima, Folha de S. Paulo
Ainda que a atividade econômica cresça algo próximo de 0,5%, como esperado para este ano, é provável que o total de recursos arrecadados pelo governopara cumprir seus compromissos não acompanhe esse movimento.
O recolhimento de impostos costuma reagir com atraso ao aquecimento da atividade econômica. Além disso, os serviços têm peso maior na economia, e são menos tributados do que outros setores.
Economistas preveem que as empresas aproveitarão a retomada para compensar prejuízos acumulados durante os anos de recessão, o que também tende a diminuir a arrecadação de impostos.
Programas de refinanciamento das dívidas das empresas com o fisco, como o que está em discussão no Congresso, também têm contribuído para reduzir o recolhimento de tributos no longo prazo, dizem os economistas.
Muitas empresas simplesmente deixam de pagar e ficam à espera do próximo refinanciamento -nos últimos 16 anos, houve mais de 30.
O impacto desses fatores sobre as receitas do governo tem sido brutal, como mostra a evolução recente da carga tributária brasileira.
Embora seja considerada elevada, ela caiu de 34,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2011 para 32,7% no ano passado.
Diante das incertezas criadas pela crise política, uma nova queda desse percentual pode ocorrer neste ano, diz José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV (Fundação Getulio Vargas).
As dificuldades para recompor as receitas do governo devem prejudicar os esforços para restaurar o equilíbrio das contas públicas, apontado pelos economistas como condição essencial para uma retomada mais vigorosa da atividade econômica.
O governo federal deverá fechar este ano com deficit superior a 2% do PIB e só conseguirá pôr suas contas no azul de novo em 2023, afirma Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado.
A arrecadação costuma acompanhar de perto o consumo e o investimento, ele observa. Mas, como ficou claro no primeiro trimestre do ano, os primeiros sinais de recuperação econômica foram sustentados pelo agronegócio, o menos tributado dos setores que compõem o PIB.
Do lado da demanda, a queda do consumo das famílias ainda é de 2% na comparação anual, e um contingente de 14 milhões de desempregados afasta qualquer expectativa de melhora robusta ao longo dos próximos meses.
De acordo com a IFI, a massa salarial e o consumo das famílias respondem por nada menos do que 60% das receitas do governo. Os lucros das empresas, também bastante afetados pela recessão, respondem por outros 13,5%.
HÁBITOS DE CONSUMO
Outro problema é a mudança de hábitos de consumo dos brasileiros, que gastam cada vez mais com serviços. "Essa mudança tem efeito na arrecadação porque, os serviços são, de modo geral, menos tributados do que produtos industriais", diz Bernard Appy, diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal).
Dados do CCiF indicam que, desde 2005, a receita do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) caiu de 1,1% para 0,8% do PIB, enquanto a fatia do ISS (Imposto sobre Serviços) cresceu de 0,7% para 1% do PIB, apesar da crise.
Para Gabriel Leal de Barros, da IFI, além de lançar mão de receitas atípicas, o governo terá que rediscutir as bases da arrecadação em algum momento. Barros não descarta aumento de impostos. "Não dá para fazer tudo ajustando gastos", afirma.
RECEITAS ATÍPICAS
O governo Michel Temer (PMDB) voltou a buscar neste ano receitas atípicas para fechar suas contas sem aumentar impostos, recorrendo ao mesmo expediente usado antes pelo governo Dilma Rousseff (PT).
Como as receitas tributárias têm se revelado insuficientes para alcançar as metas estabelecidas no Orçamento, sucessivos governos têm recorrido a concessões, programas de refinanciamento de dívidas e outras medidas para obter recursos.
A princípio, não há nada de errado com a estratégia, dizem economistas. O problema é que, por serem muito mais incertas, essas receitas podem não se confirmar, o que aumenta incertezas e contribui para acelerar a expansão da dívida pública.
O efeito positivo dos programas de refinanciamento de dívidas para a arrecadação costuma ser passageiro, dizem especialistas, e eles também incentivam muitos contribuintes a deixar de honrar seus compromissos.
O governo espera arrecadar R$ 13,3 bilhões com um novo programa lançado neste ano, ainda em discussão no Congresso, mas a previsão é que ele reduzirá em R$ 6 bilhões sua arrecadação do próximo ano, por causa das facilidades para as empresas que aderirem.
Com a crise política, economistas temem que o governo fique sem condições de tocar privatizações e concessões anunciadas na área de infraestrutura, o que pode levar a uma revisão das projeções de arrecadação.
Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, calcula que a receita total do governo central alcançará neste ano R$ 1,148 trilhão -um aumento de 1,3% em relação ao ano passado, já descontada a inflação.
Esse valor inclui receitas extraordinárias de R$ 71,9 bilhões, volume pouco abaixo dos R$ 76,4 bilhões previstos pelo próprio governo.
Em razão das incertezas criadas pela crise política, Salto afirma que poderá excluir da conta os R$ 8,9 bilhões previstos com a venda do Instituto de Resseguros (IRB), da BR Distribuidora e da Caixa Seguridade.
O governo segue atrás de recursos. No lance mais recente para engordar o caixa, passou a contar com mais de R$ 8 bilhões que estão comprometidos com precatórios, dívidas decorrentes de processos judiciais. O governo perdeu essas ações, mas os beneficiários não foram sacar o dinheiro.
DEFICIT
Ainda assim, Salto avalia que o governo não conseguirá entregar a meta estabelecida para este ano, que prevê redução do déficit do Orçamento para R$ 139 bilhões, o equivalente a 2,14% do PIB.
Em 2018, avalia o economista, sem uma recuperação da arrecadação, a dificuldade de reunir volume similar de receitas extraordinárias levará o governo a aumentar o deficit esperado.
Para economistas, elevar impostos poderia ser uma forma de contornar o problema. Uma saída, afirma Geraldo Biasoto, professor da Unicamp, seria tributar os dividendos recebidos por pessoas físicas de empresas, que hoje são isentos.
Em um prazo mais longo, porém, é consenso que mudanças na estrutura da arrecadação só poderão ser promovidas com uma reforma tributária abrangente.
Outra possibilidade, diz Biasoto, seria atacar regimes especiais e exceções previstas para alguns tributos. "Se fala tanto das despesas da Previdência, mas acho que a estrutura tributária brasileira vai muito pior", diz ele.
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