sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Especialistas rejeitam fundo eleitoral e veem 'distritão' com desconfiança

Joelmir Tavares, José Marques | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Especialistas em direito eleitoral e cientistas políticos rejeitam a proposta de criação do fundo público de R$ 3,6 bilhões para financiar campanhas no Brasil, aprovado nesta semana na comissão da Câmara dos Deputados que analisa a reforma política.

Ao mesmo tempo, a instituição do "distritão" nas eleições de 2018 e 2020 também é vista com desconfiança. O sistema substituiria o atual modelo eleitoral, em que os votos no partido podem eleger candidatos que não foram os mais bem votados.

"Todos os brasileiros doarão compulsoriamente, enquanto há uma crise econômica e deficits enormes em recursos para saúde e educação", diz Diogo Rais, pesquisador da Fundação Getulio Vargas e professor da Mackenzie. "É constrangedor."

Para o cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a nova fonte de recursos também joga água fria na expectativa de renovação política.

"O modelo fundo mais distritão favorece quem já está lá: eles são políticos conhecidos e terão financiamento garantido. É um sistema de proteção", afirma Nicolau.

Em um dos textos que apresentou na Câmara, o relator da reforma, Vicente Cândido (PT-SP), justifica que o fundo é "uma forma viável e legítima para financiar a operacionalização da própria democracia". A canalização desses recursos às legendas, afirma, "encontra amplo respaldo e legitimidade no fato de que partidos desempenham uma importante função pública".

A ideia do fundo bilionário não é de todo malvista pelo cientista político Oswaldo Amaral, professor da Unicamp. Ele acha que hoje o dinheiro público já ajuda a financiar as campanhas, porque comitês usam dinheiro do fundo partidário e o horário eleitoral em TV e rádio é pago com abatimento de impostos.

"O que precisa ver é como será a distribuição entre os partidos, se vai ser igualitária ou não. E como o partido vai redistribuir o dinheiro", diz.

Doutor em direito pela USP, Modesto Carvalhosa considera o financiamento público "a institucionalização da fraude eleitoral". O advogado paulista se apresenta como candidato a presidente em caso de eventual eleição indireta, para substituir Michel Temer.

"É absolutamente contra o próprio sistema democrático", afirma. Carvalhosa diz que tanto o uso do financiamento público quanto a adoção do distritão só poderiam ser feitos após plebiscito.

PROTEÇÃO
Se passar no Congresso a proposta de adotar o distritão nos pleitos de 2018 e 2020, serão eleitos os candidatos que tiverem maior votação. No sistema atual, vale a soma do número de votos de todos os candidatos e da legenda.

O professor da USP José Álvaro Moisés diz que o modelo favorecerá políticos envolvidos na Lava Jato. Para ele, é "uma fraude" quem afirma que o sistema deixará as eleições mais baratas. "Não vai ficar mais barato. Se você lançar um sistema em que os mais votados são eleitos, haverá uma competição infernal."

Ives Gandra Martins, jurista que presidiu a comissão de reforma política da OAB-SP, discorda. Para ele, se houver uma forma de fortalecer os partidos e evitar desfiliações, o distritão é um bom sistema.

"É estupendo que os mais votados possam ser eleitos. Isso fortalece a vontade popular", afirma. "Mas os partidos devem ser fortalecidos através da fidelidade partidária. Todo deputado que deixasse a legenda antes do fim do mandato não poderia se filiar a outro partido e concorrer à reeleição."

Como propostas alternativas ao fundo, parte dos especialistas sugere que os recursos públicos destinados à campanha sejam menores. Mesmo considerando elevado o valor do fundo aprovado pela Câmara, o advogado Márlon Reis, idealizador da Lei da Ficha Limpa, acha melhor assim que o retorno do financiamento empresarial. "Além de ser mais transparente, ao menos a eleição não vai ser intermediada por empresas corruptas", avalia.

Já José Álvaro Moisés prefere que seja criado um teto de gastos com "um limite muito severo", que evitaria abuso e influências do poder econômico nas eleições.

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