Por Cristian Klein | Valor Econômico
RIO - Nas últimas duas décadas, um mantra dos críticos do sistema eleitoral brasileiro é que "pior do que está não fica". Ironicamente foi o mesmo bordão que o campeão de votos Tiririca utilizou no slogan de uma campanha que elegeu, na esteira, uma penca de deputados menos votados que concorrentes alijados da Câmara. Trata-se de defeito dos mais repisados no modelo proporcional de lista aberta, adotado em 1945 e cujo funeral a comissão especial de reforma política da Casa aprovou, na madrugada de ontem, para colocar no lugar o chamado distritão.
Caso adotado, tudo indica que o distritão representará um retrocesso institucional - em mais um efeito perverso da crise política que afeta a economia. A mudança abre espaço para um sistema ainda mais invertebrado, menos estruturado pelos partidos e tomado pela individualidade dos políticos. Os parlamentares serão eleitos sem mecanismos de cooperação mínima, como ocorre hoje em consequência da necessidade de se obter o quociente partidário. No distritão, se elegerá quem tiver mais votos, independentemente do desempenho da agremiação. Regra tão simples quanto uma classificação de vestibular, mas tão pouco utilizada pelo mundo e sem caráter sistêmico que só existe no Afeganistão e na Jordânia, além de duas ilhas no Pacífico.
Entre a aprovação pela comissão e pelo plenário há uma longa distância - sobretudo se considerarmos que o projeto ainda deve passar em dois turnos, na Câmara e no Senado, e ultrapassar a barreira dos 60%. Na comissão, o placar já foi apertado (17 a 15), o que indica dificuldade, embora não se deva subestimar o modelo de preferência do presidente da República, Michel Temer, e de seu aliado, Eduardo Cunha.
Preso em Curitiba, o pemedebista fez uma cruzada quando presidiu a Câmara para emplacar o distritão. Foi um dos poucos reveses que sofreu quando era o todo-poderoso e liderava uma bancada de centenas de deputados. Contrário à proposta, o relator da reforma política, Vicente Cândido, afirma que o clima é mais favorável hoje do que em 2015. "É outro Brasil", diz, numa referência à Lava-Jato, ao aumento da desconfiança em relação aos políticos e aos partidos e à percepção dos parlamentares de que, com o distritão, a chance de reeleição aumentará, pela redução natural do número de candidatos.
O distritão requer uma mudança constitucional, pela qual o sistema eleitoral brasileiro deixaria de ser proporcional - no qual se aproxima a votação dos partidos ao seu número de cadeiras no Legislativo - e rumaria para o majoritário, que tradicionalmente prejudica os menores partidos e favorece a governabilidade, em detrimento da representatividade das correntes de opinião na sociedade.
Mas, a rigor, o distritão, caso aplicado ao Brasil, seria um modelo majoritário quase que apenas formalmente. Na prática, teria tendência proporcional, pelo tamanho muito grande dos distritos no país - daí o seu nome no aumentativo. A Assembleia Legislativa de São Paulo, por exemplo, elege 94 deputados. É algo muito diferente dos pequenos distritos onde apenas um parlamentar é eleito, no modelo clássico uninominal majoritário, utilizado nos Estados Unidos e no Reino Unido.
A proposta da Câmara prevê que o distritão seja uma transição em 2018 e 2020 para a adoção permanente, a partir de 2022, do distrital misto. É o modelo alemão e bastante engenhoso pelo qual o eleitor dá dois votos: um para o partido e outro para o candidato no distrito, que em regra elege um só representante. Também tem distorções, mas, durante os anos 1990, virou moda, foi adotado por vários países e despertou o debate se era o sistema que juntava "o melhor dos dois mundos", do proporcional e do majoritário.
Mas conhecendo o Congresso Nacional e passada a tempestade, é duvidoso que o compromisso se mantenha mais à frente, sobretudo pela dificuldade de se dividir os distritões estaduais ou municipais em circunscrições menores. O potencial de disputas e impasses - pela preservação de redutos eleitorais já estabelecidos - é enorme.
Com alta probabilidade, aprovado o distritão, o pior modelo fica.
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