Eloísa Machado, Rubens Glezer | Folha de S. Paulo
A decisão da 1ª Turma do STF que suspende o mandato parlamentar do senador Aécio Neves não é a primeira a indicar que a relação entre Judiciário e Congresso Nacional vai de mal a pior.
Já em 2015, o STF determinou a prisão do senador Delcídio do Amaral (MS), à época no PT e líder do governo Dilma Rousseff, mas não sem esforço para enquadrar o caso como flagrante de crime inafiançável, única hipótese constitucional a permitir a prisão.
Em 2016, o tribunal decidiu suspender o exercício do mandato do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso no Paraná.
Assumindo claramente a excepcionalidade da situação, o Supremo aplicou medida cautelar de suspensão das funções públicas, mesmo sem autorização constitucional para tanto.
Meses depois, via liminar, o ministro Marco Aurélio Mello afastou Renan Calheiros (PMDB-AL) da Presidência do Senado, aplicando a tese– também inusual– de que réus podem se candidatar a cargos eletivos, mas não poderiam presidir as casas legislativas por estarem na linha sucessória da Presidência da República.
Olhando para trás, após duas denúncias criminais contra o presidente Michel Temer, essa tese padece de um preciosismo ímpar.
Este último episódio deflagrou um embate, com Renan e a Mesa Diretora do Senado descumprindo escancaradamente a decisão liminar e promovendo retaliação cruzada com projetos de lei contra interesses dos juízes.
Aquela crise levou o plenário do STF a voltar atrás, em uma das sessões de julgamento mais constrangedoras da sua história.
Agora, o caso do senador Aécio Neves traz à tona as ambiguidades e nuances das decisões tomadas contra Delcídio e Eduardo Cunha.
O STF reconheceu que Aécio realizou condutas juridicamente parecidas com as de Delcídio, mas não quis decretar sua prisão preventiva, em razão de uma possível excepcionalidade do tribunal naquela ocasião, ao não respeitar a literalidade da Constituição Federal.
Os ministros optaram, então, pelo o que lhes pareceu como uma terceira via: a suspensão do mandato parlamentar.
A ironia, contudo, está no fato de que a Constituição não prevê essa possibilidade de suspender o mandato. Ao contrário, a Constituição estabelece um sistema muito robusto de proteção ao mandato parlamentar, que somente pode ser retirado por outros pares eleitos.
Além disso, a suspensão de mandato parlamentar se dá sem nenhum mecanismo contra excessos do Judiciário. Quando a Constituição permite a prisão de parlamentares em flagrante de crimes inafiançáveis, em contraposição confere às casas legislativas o poder de resolver sobre a prisão, ou seja, manter ou derrubar a decisão.
O que se vê nessas decisões, contudo, é um STF que conferiu a si mesmo os poderes para suspender mandatos sem criar nenhum mecanismo de controle que pudesse ser exercido pelo Legislativo. Por esse motivo que o Senado esboça uma reação.
Mas, adivinhem: a possibilidade de controle dessas decisões pelo Congresso Nacional deverá ser debatida em uma ação que está em trâmite no próprio Supremo Tribunal Federal!
O STF tem promovido reiteradas interpretações heterodoxas em nome de circunstâncias excepcionais.
É preocupante que o Supremo, enquanto órgão responsável resguardar a Constituição, opte por desprezar os caminhos institucionais oferecidos por ela para superar uma crise, que apenas se aprofunda a cada gambiarra interpretativa.
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Eloísa Machado e Rubens Glezer são professores e coordenadores do Supremo em Pauta FGV Direito SP
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