quinta-feira, 28 de setembro de 2017

É preciso mais esforços para reduzir a desigualdade social – Editorial | Valor Econômico

A discussão da concentração de renda no Brasil ganhou novos contornos com a divulgação de estudos que a colocam em perspectivas mais amplas, colocando em dúvida avanços dos quais o país se vangloriava. Até recentemente, as análises sobre a desigualdade levavam em consideração principalmente a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, baseada em entrevistas domiciliares, com uma amostra de famílias.

O último levantamento disponível da Pnad Contínua sobre a desigualdade foi divulgado no fim de 2016 e mostrou que a concentração de riqueza, medida pelo índice de Gini, completou 12 anos de quedas consecutivas em 2015. Quanto mais perto de zero o índice, menor é a desigualdade. Levando em conta a renda de todas as fontes, que inclui aluguéis, aposentadorias, benefícios sociais e juros, o índice de Gini ficou em 0,491 em 2015, com queda de 14% em relação a 0,569 em 2002.

Naquele momento, porém, não houve comemoração: a redução da desigualdade ocorreu em um contexto em que todas as classes sociais ficaram mais pobres. O rendimento mensal médio de todas as rendas, já descontada a inflação, recuou 5,4%. Foi a primeira queda na renda em 11 anos. A metade mais rica dos brasileiros sofreu uma queda maior dos rendimentos quando comparada com a da metade mais pobre, segundo a Pnad, como resultado da deterioração do mercado de trabalho, que afetou principalmente o emprego formal, na indústria.

No entanto, as novas pesquisas, que ganharam projeção com os estudos do francês Thomas Piketty, mostram uma realidade ainda pior ao examinar também os rendimentos financeiros, lucros, dividendos, heranças e doações, geralmente capturados pelas declarações de Imposto de Renda (IR) feitas à Receita Federal. Embora reconheça a redução da pobreza a partir de meados da década passada e o maior acesso da população a bens e serviços públicos, esses estudos indicam que os mais ricos também se beneficiaram da melhoria do ambiente e se apropriaram de uma parcela maior da riqueza.

Um deles foi publicado no início do mês por Marc Morgan, pesquisador do World Wealth & Income Database (WID.world), organização que tem Piketty em seu comitê executivo. "Extreme and Persistent Inequality: New Evidence for Brazil" mostra que não houve mudança no panorama da desigualdade social no País e sim até uma leve piora, entre 2001 e 2015. Os 10% mais ricos da população brasileira, que detinham 54,3% da riqueza nacional em 2001, passaram para 55,3% em 2015. Já os 50% mais pobres passaram a deter 11% da renda nacional, menos do que os 12% de 2001. O crescimento foi feito à custa de uma queda da fatia dos 40% intermediários, de 34% para 32%.

O WID.world usou dados do IR de 2007 a 2015 para calcular a fração dos mais ricos; para estimar o período 2001-2006, Morgan projetou os parâmetros de 2007 para os anos anteriores. Segundo o WID.world, a renda da população cresceu 7,2% entre 2007 e 2015, e 60,5% desse crescimento foi abocanhado pelos 10% mais ricos; 19,1% ficaram com os 50% mais pobres; e os 40% do meio capturaram os 20,4%. Pesquisadores do IPEA, pioneiros no Brasil no uso de dados do IR para avaliar a desigualdade no país, chegaram a conclusão semelhante: em 2013, os 10% mais ricos detinham 51,5% da renda total do país, acima dos 49,4% de 2000 (Valor 21/9).

Nesta semana, a Ong Oxfam Brasil ampliou o debate ao focar quem paga mais tributos no país. Pela avaliação, os super-ricos são beneficiados porque pagam alíquota relativamente baixa de IR e são pouco tributados pelo patrimônio e impostos indiretos. Pouco mais da metade da receita tributária, 53%, vem do consumo, com a oneração de alimentos, medicamentos, vestuário e transporte - que proporcionalmente afetam mais os mais pobres. Os 10% mais pobres gastam 32% da sua renda com tributos, e os 10% mais ricos, 21%.

Os levantamentos esquentam a disputa política: indicam que a alegada desconcentração da riqueza na gestão do PT no governo federal não teve o efeito propagandeado, se localizou mais na renda do trabalho por conta da sustentação do salário mínimo e se apoiou nos benefícios sociais. Mais do que munição política, porém, os estudos deveriam basear medidas profundas para diminuir a desigualdade por meio de uma reforma tributária e melhorias do ensino e da infraestrutura.

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