Antes do desembarque do PSDB da base aliada, líder tucano dava conselhos ao presidente sobre como melhorar a imagem do governo
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Vera Rosa / O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Muito antes da decisão do PSDB de desembarcar da base aliada, o presidente Michel Temer se encontrou algumas vezes, ao longo de 2017, com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem ouviu conselhos sobre como melhorar a imagem do governo. Dono de estilo formal e discreto, Temer teve conversas reservadas com o tucano, em São Paulo e em Brasília, que passaram longe dos holofotes.
Quando Fernando Henrique subiu o tom e começou a cobrar o desembarque do partido, o presidente pareceu não acreditar. “Ligue para o príncipe e avise que a pinguela não está quebrada”, disse Temer ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, em alusão a Fernando Henrique, conhecido como “príncipe da sociologia”.
Pinguela foi o termo usado pelo ex-presidente, em 2016, para se referir ao governo de transição, ancorado pelo plano intitulado Uma Ponte para o Futuro. A comparação irritou Temer, mas o pior estava por vir. Em junho de 2017, o próprio Fernando Henrique deu a senha do rompimento ao dizer que, se a pinguela continuasse quebrando, seria melhor “atravessar o rio a nado”.
A relação entre os dois, desde que Temer assumiu o Palácio do Planalto, seguiu o script do vaivém do PSDB, ora amigável, ora nervosa. Em março deste ano, por exemplo, ao discursar para uma plateia de empresários, no Planalto, o presidente tentou adotar nova estratégia de comunicação. “Alguém me dizia que o Brasil é um País oral. É interessante, não basta você escrever. Você tem que falar, repetir ladainha, enfatizar, afirmar, reafirmar. Se você não falar várias vezes, as pessoas até leem, mas não dão tanta importância”, disse Temer.
Poucos sabem que esse “alguém” era justamente Fernando Henrique. Foi ele quem aconselhou o peemedebista a “martelar” dia e noite sobre os assuntos de interesse do governo. Cerimonioso, Temer pediu a um auxiliar que telefonasse para o tucano e perguntasse se ele havia ficado aborrecido com o uso da frase.
“Que nada!”, respondeu o ex-presidente. “Pode usar à vontade”, emendou. Na prática, quando conversou com Temer sobre a importância da comunicação oral, FHC mencionou ali um estudo do sociólogo Florestan Fernandes sobre o modo de vida dos índios Tupinambá.
Embora sempre diga que presidente não fica irritado nem magoado, Temer nunca conseguiu esconder esses sentimentos em relação ao PSDB. Quando o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, lavou as mãos, recusando-se a pedir à bancada tucana que ajudasse a derrubar as denúncias contra Temer na Câmara, houve inconformismo no Planalto. “Pergunte a ele se por acaso acha que sou ladrão”, disse o presidente a um amigo do PSDB, demonstrando estar indignado.
Ao receber apelos de um ministro para que cobrasse dos deputados de seu partido os votos necessários para evitar o prosseguimento das investigações, Alckmin afirmou ao interlocutor que não queria se envolver. “Além do mais, o governo vai apoiar o Henrique Meirelles (ministro da Fazenda)”, previu. E foi embora.
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