Duas ameaças à economia mundial partem neste momento de Washington – mais precisamente, da Casa Branca e do Congresso dos Estados Unidos, antigos bastiões da ordem capitalista. Enquanto o presidente Donald Trump alardeava as delícias da guerra comercial, formou-se no Senado uma força bipartidária para afrouxar a regulação dos bancos, como se nada se houvesse aprendido com a última crise global. A guerra comercial poderá começar com a imposição, prometida pelo presidente, de barreiras a importações de aço e de alumínio. Políticos da União Europeia têm falado em retaliações. Se balas sobrarem para todo lado, Brasil e outros países poderão ser atingidos por disparos dos maiores contendores. Nesta fase preliminar, nem a Casa Branca tem ficado livre de abalos, como comprova o recém-anunciado afastamento do principal assessor econômico de Trump, Gary Cohn.
Derrotado no debate interno sobre as tarifas protecionistas, o chefe do Conselho Econômico da Casa Branca decidiu deixar o posto. Em nota distribuída na terça-feira passada, Trump elogiou o ex-colaborador e agradeceu sua ajuda, sem detalhar a discordância.
Gary Cohn, ex-executivo do banco Goldman Sachs, é um defensor de posições liberais e por isso se opôs às novas medidas protecionistas anunciadas pelo presidente e criticadas, inicialmente, por figuras importantes do Partido Republicano, tradicionalmente contrário ao intervencionismo. O presidente da Câmara de Representantes, Paul Ryan, atenuou sua oposição, no entanto, e propôs uma aplicação cirúrgica das novas medidas. O secretário de Comércio, Wilbur Ross, acabou usando a mesma expressão, na quarta-feira, indicando a possibilidade de isenção de alguns parceiros. Os mais prováveis serão México e Canadá, se aceitarem rever o Tratado de Livre Comércio da América do Norte segundo as pretensões de Trump.
Enquanto os governos das maiores potências falam em guerra e em retaliação, as autoridades brasileiras tentam calcular os danos possíveis no caso de um tiroteio. O Brasil poderá ser atingido tanto pelos disparos americanos como pelos europeus, dependendo da lista de produtos escolhidos pela União Europeia para retaliar as tarifas impostas por Washington. O risco de enormes danos para todos já foi apontado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Mas os novos perigos são mais amplos. Contrários ao intervencionismo, os parlamentares do Partido Republicano podem ter criticado as novas tarifas prometidas por Trump, mas sempre apoiaram outra de suas promessas – o afrouxamento da regulação bancária. O primeiro passo efetivo para diminuir os controles foi a apresentação de um projeto para tornar mais livre a atuação de milhares de bancos pequenos e médios. Senadores democratas, alguns em ano de reeleição, têm apoiado a mudança. Aprovado o projeto, os milhares de bancos beneficiados ficam livres, por exemplo, dos testes de estresse, destinados a verificar a resistência a mudanças nas condições de mercado.
Críticos têm apontado o risco de quebras no sistema bancário e de custosas intervenções do governo para evitar desastres maiores. Além disso, grandes bancos têm pressionado os congressistas para ser também favorecidos pela mudança de regras. As normas tornaram-se mais severas em todo o mundo depois do estouro da bolha financeira em 2007-2008 e aperto maior ainda é defendido por especialistas.
O risco de novos problemas financeiros vem sendo apontado há mais de um ano por economistas do FMI e de outras grandes instituições públicas. Juros muito baixos mantidos por muitos anos, como estímulo à recuperação das economias avançadas, deram espaço a operações arriscadas e a uma ampla valorização de ativos. Um ajuste será inevitável, dizem especialistas, e qualquer desleixo em relação aos controles poderá ser desastroso. O relaxamento das normas bancárias na maior economia do mundo vai contra essas advertências e pode ser tão perigoso, num prazo maior, quanto uma guerra comercial.
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