- O Estado de S.Paulo
Propostas e formas de atuação dos partidos tradicionais vêm sendo rejeitadas em eleições
As eleições parlamentares italianas realizadas no domingo reafirmaram que estamos vivendo em vários países uma espécie de rebelião dos eleitores contra as elites e o establishment. O Movimento 5 Estrelas foi o grande vencedor individual, com um terço dos votos, embora a coalização de dois partidos com forte apelo regional e autonomista, do espectro da centro-direita, tenha obtido votação ligeiramente superior.
Pelo menos desde o Brexit – a decisão dos eleitores do Reino Unido, em plebiscito, de sair da União Europeia, em 2016 – esse padrão tende a repetir-se: a população rejeita as propostas e, principalmente, as formas de atuação dos partidos tradicionais. Na França, no ano passado, a vitória marcante do movimento de Emmanuel Macron, A República em Marcha, quase dizimou os partidos até então hegemônicos. A eleição de Trump também pode ser tida como expressão desse mal-estar das pessoas comuns com os rumos da política e das instituições.
É evidente que em cada um desses países a vaga de protesto e de mudança assume formas diferentes, pois responde também às peculiaridades locais. Não há uma clara identidade ideológica entre esses vários movimentos, embora existam alguns traços em comum. E não se trata apenas de repulsa aos atores estabelecidos. Temos ainda um declínio continuado de participação nas eleições. Na Itália, a última eleição teve o menor comparecimento desde a volta à democracia no pós-Guerra.
Certamente a ampliação de desigualdades de renda gerada pela automação e pelo declínio do emprego fordista é parte da explicação. O aumento da competição causada pela globalização força ajustes fiscais que reduzem direitos e proteção social. Não é por acaso que esses movimentos têm caráter protecionista, antiglobalista e anti-imigração.
E o Brasil? O que se passa com nossa política e seus mecanismos de representação?
Os diagnósticos são praticamente unânimes. A população não se sente representada nem pelos partidos nem pelos Parlamentos – seja no nível federal, estadual ou municipal. Na verdade, nosso sistema eleitoral é caríssimo e incapaz de formar maiorias vigorosas que toquem a pauta desejada pela maioria. Ganham espaço as coalizões de veto por interesses ultraminoritários, não raramente corporativistas e patrimonialistas.
Superar a inadequação do nosso sistema eleitoral, portanto, deveria ser a grande prioridade política em nosso país, ao lado de um ajuste fiscal que não penalizasse os mais pobres e o combate à criminalidade.
Nossas eleições para deputado são disputadas por Estados, que se tornam assim imensos colégios eleitorais. O custo das campanhas é altíssimo, pois cada candidato tenta conquistar votos em toda a circunscrição. Mas o alto preço desse modelo, com seus corolários – corrupção e patrimonialismo –, não se resume à esfera econômica. Na esfera propriamente política, a cada eleição o sistema eleitoral gera representações mais fragmentadas e menos orientadas por linhas programáticas.
O quadro de fragmentação não é tendência recente na política brasileira, mas se aguçou com a decisão do STF, em 2006, de não permitir a introdução das cláusulas de desempenho. Hoje temos nada menos que 25 partidos com representação na Câmara. E isso não conta toda a história da proliferação partidária: nada menos que 73 (!) partidos estão em processo de formação no TSE, além dos dez que, já instituídos, não contam com representação na Câmara. E cada agremiação pode oferecer até duas vezes o número de vagas para cada cargo proporcional, o que leva os eleitores a se defrontar com listas de milhares de candidatos.
Esse é um dos aspectos mais deletérios do atual sistema eleitoral. Os concorrentes se amontoam na disputa, provocando os alaridos próprios do marketing, mas não o confronto de ideias e propostas. No ambiente de balbúrdia, penetram os candidatos folclóricos, os representantes de corporações bem organizadas e os líderes de microfacções sem representatividade, mas espraiadas geograficamente e com muita motivação ideológica.
Não é surpresa que os Parlamentos se tornem cada vez mais fragmentados e desconectados das demandas da população. Sem claras diretivas programáticas os partidos acabam se tornando, no essencial, entrepostos de distribuição de favores e bastiões de resistência das minorias que teimam em garantir privilégios e nacos da renda estatal.
Na direção da mudança desse quadro adverso é preciso forçar, até com teimosia, a introdução de solução simples e já testada em vários países, com excelentes resultados: o voto distrital misto. Esse sistema é capaz de contemplar proporcionalmente as correntes de pensamento mais representativas, incluindo minorias relevantes, mas cumpre também o papel essencial de produzir maiorias capazes de implementar programas demandados pela população.
No sistema distrital misto o custo de uma campanha se reduz a uma fração pequena dos custos atuais. A área de abrangência geográfica da campanha passa a ser o distrito. No caso de grandes regiões metropolitanas, os candidatos poderão fazer campanha literalmente na sola do sapato. As técnicas de marketing – com seus custos astronômicos – se tornarão obsoletas, pois com o reduzido número de candidatos por distrito (apenas um por partido ou coligação) não haverá necessidade de bombardear o eleitor com folhetos, “santinhos” e aparições relâmpago no programa eleitoral. Livre do tumulto de milhares de candidaturas, o eleitor poderá avaliar com calma as diversas propostas. Esse ambiente não recompensará, como hoje, candidatos folclóricos, de corporações e representativos de microfacções.
O voto distrital misto, constante do PLS 86, de 2017, já foi aprovado no Senado e agora entrará em debate na Câmara dos Deputados. Estou confiante em que a Câmara aprovará a matéria, de forma que em 2022 a escolha de deputados federais e estaduais será feita de acordo com o novo modelo, mais barato, mais simples e mais capaz de dar voz de verdade ao cidadão.
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*Senador (PSDB-SP)
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