A condenação de Lula deve exigir dos ministros do Supremo que se definam diante do mais sério enfrentamento de corruptos ocorrido no estado de direito
A clássica e bem fundamentada incredulidade na eficácia do Judiciário, quando se tratava de punir poderosos, a começar pelos políticos, recebeu um primeiro impacto forte no julgamento do mensalão do PT, iniciado em 2012 e concluído um ano e meio depois.
Foi histórica novidade, mesmo com todos os percalços, a punição, inclusive com cadeia, de políticos da aliança no poder, inclusive petistas ditos históricos (José Dirceu, João Paulo Cunha, José Genoino, Delúbio Soares etc.).
Ajudou bastante o fato de, no início do julgamento no Supremo, sob a presidência de Ayres Britto e com a relatoria de Joaquim Barbosa, ter sido decidido que o grupo de mensaleiros, tanto os beneficiados por foro quanto os sem a prerrogativa, seria julgado junto.
Confirmou-se a correção da tese vencedora de que, para garantir a eficácia penal de um processo que envolvia ampla articulação no governo Lula, no Congresso e em pelo menos uma estatal, Banco do Brasil, políticos com mandato ou não deveriam ser julgados em grupo. Assim, os espaços para chicanas protelatórias foram muito reduzidos. Houve alguma demora no julgamento de embargos, únicos recursos possíveis, mas o julgamento foi um raro êxito republicano do Judiciário brasileiro, no sentido de fazer a lei valer para todos.
A Lava-Jato, operação lançada em março de 2014 para investigar doleiros lavadores de dinheiro, e que chegaria a condenar um ex-presidente da República, teve o respaldo da Lei das Organizações Criminosas, de um ano antes, devido à consolidação do instrumento da delação premiada. De eficácia comprovada em qualquer país em que é aplicado — Estados Unidos, Itália etc. Como a toda ação corresponde uma reação em sentido contrário, a delação premiada tem sido combatida, sem descanso, no Legislativo e no Judiciário.
Para reforçar de forma decisiva o arsenal anticorrupção que instituições do Estado construíram nos últimos anos, o julgamento, no Supremo, em 2016, de um habeas corpus, restabeleceu o correto entendimento, seguido até 2009, de que sentenças confirmadas em segunda instância podem começar a ser cumpridas, sem prejuízo dos recursos e do princípio constitucional da presunção da inocência. Nada a estranhar, porque é na primeira e segunda instâncias que se avaliam fatos e provas. Depois, apenas questões legais, não havendo reexame da matéria.
A condenação de Lula é uma oportunidade que grupos incomodados com a eficácia do Ministério Público e do Judiciário no combate à corrupção têm para, no Supremo, tentar rever a jurisprudência da segunda instância.
Há grande pressão para que a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, paute a questão, o que não deseja fazer. Como ela mesma diz, porque “apequenará” o Supremo. Sem dúvida. Mas o assunto deverá chegar ao STF, nem que seja por meio de um pedido de soltura de Lula (habeas corpus).
Se assim for, cada um dos 11 ministros não dará apenas um voto nesse julgamento, mas, na verdade, marcará sua posição contra ou a favor do mais sério enfrentamento da corrupção que o Estado brasileiro fez na República.
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