- Valor Econômico
Governo quer deixar R$ 100 bi do BNDES para o próximo ano
As medidas fiscais que estão sendo estudadas pelo governo para cumprir a chamada " regra de ouro" neste ano permitirão, de acordo com cálculos preliminares da área técnica, deixar uma sobra de cerca de R$ 100 bilhões para que o dispositivo também possa ser respeitado em 2019, disseram fontes oficiais ao Valor.
Isto significa que o objetivo do governo com as medidas em estudo é resolver o problema deste ano e do próximo. Não foi possível saber, no entanto, se as alternativas encontradas pela área técnica para cumprir a "regra de ouro" dispensarão o governo de enviar ao Congresso um pedido de crédito suplementar, que teria que ser aprovado por maioria absoluta.
A Constituição determina que o governo não pode aumentar o endividamento público para custear despesas correntes. As operações de crédito, em determinado ano, não podem exceder o montante das despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e amortizações da dívida pública).
Esse dispositivo foi chamado de "regra de ouro" das finanças públicas. O texto constitucional permite, no entanto, que o governo encaminhe ao Congresso projeto de lei de crédito suplementar ou especial pedindo autorização para fazer operação de crédito destinada ao pagamento de gasto específico.
O presidente Michel Temer deverá editar uma medida provisória desvinculando o superávit financeiro das fontes de recursos decorrentes de vinculação legal, existente na conta única do Tesouro Nacional no Banco Central em 31 dezembro de 2017, segundo fontes ouvidas pelo Valor.
Os recursos desvinculados serão usados para cobrir despesas primárias obrigatórias deste ano. A MP não vai eliminar as vinculações legais atualmente existentes, mas apenas permitir que os recursos existentes na conta única sejam usados em gastos diferentes dos originais.
O saldo dos recursos de fundos, órgãos e programas era de R$ 308 bilhões no fim do ano passado, de acordo com dados do Tesouro. Mas neste total, explicaram as fontes, estão também receitas vinculadas por determinações constitucionais, que não podem ser desvinculadas por MP.
A desvinculação de recursos já foi feita várias vezes no passado, durante os governos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. A última vez foi em dezembro de 2015, por meio da MP 704, assinada por Dilma Rousseff.
Na exposição de motivos da MP 704, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa e o ex-ministro do Planejamento Valdir Simão informam que procedimentos semelhantes já tinham sido utilizados nove vezes, desde 1997.
O presidente Temer deverá também assinar decreto definindo regras para o cancelamento de restos a pagar (RAP). O problema atual é que despesas que foram empenhadas antes mesmo de 2007 continuam sendo reinscritas no Orçamento da União como RAP. Ou seja, de lá para cá não foram executadas, nem liquidadas e, mesmo assim, continuam sendo reinscritas em restos a pagar.
Dados do Tesouro Nacional mostram que 12,8% dos restos a pagar inscritos no Orçamento de 2018 se referem a despesas que foram autorizadas antes 2014. O objetivo da área econômica é limpar os RAPs, pois eles impactam no cálculo da "regra de ouro".
Outra medida em estudo é a extinção do Fundo Soberano do Brasil (FSB), recentemente incluída na lista de 15 projetos econômicos prioritários do presidente Temer. O FSB foi criado pelo ex-presidente Lula no fim de 2008. O governo ainda não decidiu como isso será feito, se por meio de medida provisória ou de projeto de lei.
O FSB ainda possui cerca de R$ 4 bilhões em ações do Banco do Brasil, que serão vendidas até o fim do ano. O dinheiro vai custear despesas correntes. Além disso, existem cerca de R$ 23 bilhões de receita do FSB na conta única do Tesouro, utilizados para fazer superávit primário em anos anteriores. Com a extinção do Fundo, o dinheiro poderá ser usado para custear despesas orçamentárias, reduzindo, assim, a necessidade de emissão de títulos públicos e contribuindo para o cumprimento da "regra de ouro".
Os técnicos estudam também a utilização dos recursos do extinto Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), que resultaram do empréstimo compulsório incidente sobre a gasolina e a venda de veículos e que nunca foram devolvidos à população. O FND foi instituído na década de 1980.
O anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano informa que o passivo exigível a longo prazo do FND totalizava R$ 42,1 bilhões em dezembro de 2016, sendo R$ 33,9 bilhões referentes ao consumo de combustíveis e R$ 8,2 bilhões à aquisição de veículos.
O mesmo documento explica que "a devolução do empréstimo compulsório, bem como suas condições, não estão estabelecidas na legislação vigente". Ou seja, a União poderá se apropriar dos recursos que estão disponíveis. Em maio de 2017, decreto do presidente Temer atribuiu ao Ministério do Planejamento o encargo de fazer um inventário do FND. Um dos objetivos da medida é formalizar as transferências de participações societárias constantes do ativo permanente do FND para a titularidade da União. O prazo para que isto ocorra é maio deste ano.
As fontes não revelaram qual o montante de recursos que será obtido com as medidas. É difícil saber, argumentam, até mesmo qual é a insuficiência de recursos para cumprir a "regra de ouro" neste ano. A estimativa do Tesouro é de que há um "buraco" de R$ 208 bilhões. Mas a projeção foi feita com base em um déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) de R$ 159 bilhões em 2018, o que nem mesmo o mais pessimista dos analistas acredita que vai acontecer, dada a recuperação das receitas da União neste ano.
Se o déficit ficar no mesmo nível do ano passado (R$ 124 bilhões), o "buraco" diminui e, com a ajuda das medidas em estudo, o governo terá necessidade de menos recursos a serem pagos antecipadamente pelo BNDES pelos empréstimos do Tesouro. "Se tudo der certo, dá para deixar uns R$ 100 bilhões para 2019", disse uma fonte.
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