A Turquia é o novo epicentro da onda de turbulências que sacode as moedas dos países emergentes e também o euro. As quedas violentas da lira têm como ingredientes uma política expansionista que superaqueceu a economia, jogou a inflação para o alto, ampliou excessivamente o endividamento privado em moeda estrangeira e as interferências cada vez mais discricionárias do agora presidente Recep Erdogan, que se apoderou do Banco Central e pôs seu genro como ministro das Finanças. A pausa para descanso no ataque à lira, ontem, não decorre de nenhuma ação decisiva do governo para estancar a depreciação, de 40% no ano.
Pelo canal econômico, a Turquia praticamente não têm relações com os demais países emergentes. A instabilidade que os tombos da lira causam vem por meio do reordenamento de portfólios dos investidores globais, que captaram mais um sinal para fugir dos ativos de risco. Nesse movimento, atingiram mais uma vez a Argentina, que elevou sua taxa de juros para 45%, o Brasil, África do Sul, Rússia e Índia. Pelo canal financeiro, a mega desvalorização da moeda atingiu os bancos e empresas turcas, seus sócios e credores europeus, com o espanhol BBVA, o francês BNP Paribas e o italiano UniCredit.
Por envolver a maior instituição financeira da Itália, que tem sistema bancário frágil, e cujo governo é um amálgama exótico de partidos que são contra o euro, a moeda europeia teve a maior depreciação em 13 meses enquanto que o rendimento dos títulos soberanos italianos de 10 anos passou dos 3%.
Erdogan está na mira dos mercados porque sua política econômica exagerou nos estímulos que, se produziram um crescimento de 7% em 2017, elevaram a inflação para 16% (junho), muito acima da meta de 5%, e estrangularam o setor externo. Em discussões recentes com o governo turco, o FMI resumiu vulnerabilidades do país: grande necessidade de financiamento externo, dependência de capitais de curto prazo e elevado endividamento das empresas não financeiras em moeda fortes.
O déficit em conta corrente turco é de 5,4% do PIB e continua crescendo. Os números da dívida bruta e líquida do governo - 53,2% e 35,4% do PIB - são bem menores que os do Brasil, por exemplo. Da mesma forma que seu déficit público nominal, de 3% do PIB, é a metade do brasileiro. É a pilha de US$ 293 bilhões de dívida corporativa uma das maiores fragilidades criadas pela depreciação.
A tesoura de déficits comerciais elevados (US$ 47 bilhões em 2017) e na conta de capitais cortou a sustentabilidade da lira e da política econômica que a apoiava. A necessidade bruta de financiamento é de US$ 230 bilhões, pouco mais da metade de curto prazo, de US$ 128,6 bilhões. As reservas caíram para perto de US$ 85 bilhões. O PIB da Turquia é de US$ 850 bilhões.
Chegou-se a isso com um impulso creditício sem amarras, especialmente por parte dos bancos públicos, que detêm 44% do crédito total. Com parco investimento direto externo de 1% do PIB, o governo colocou em pé parcerias público-privadas de US$ 61 bilhões, ou 7% do PIB. Os estímulos foram bancados com taxa de juros nula ou negativa. A inflação disparou e o país cresceu mais que a China no ano passado.
Erdogan, há 15 anos no poder, atribuiu as desgraças recentes a conspiradores e traidores. Sua polícia saiu à caça de "pessoas envolvidas em ações que ponham em risco a confiança na economia", o que se tornou um hábito após o golpe de 2016 - perseguições sistemáticas à oposição e imprensa, expurgo de dezenas de milhares de servidores públicos e membros do Judiciário. A repressão limpou o caminho para a eleição de 2017, na qual Erdogan se elegeu presidente todo poderoso em um país cada vez mais dividido.
O presidente não acredita que tenha de mudar sua política econômica, no que é contestado por investidores e entidades empresariais do país, que sugerem um aperto fiscal e monetário que interrompa a tempestade que se abateu sobre a lira. Erdogan desconversa e prefere operar no campo político, criticando os EUA - que lhe deram motivo, ao elevar tarifas sobre aço e alumínio da Turquia no dia de pior desempenho da lira - e prometendo cortejar "novos aliados", como a Rússia. A Turquia é membro da Otan.
Erdogan não quer ajuda do FMI, crê que juros altos provocam inflação e declarou que a elevação da taxa não ocorrerá "enquanto estiver vivo". O presidente preza a vida e o poder e será forçado a tomar medidas que corrijam o caminho insustentável que designou para a economia turca.
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