- Folha de S. Paulo
Quando um discurso intolerante se torna uma ameaça à democracia?
Devemos ser tolerantes com os intolerantes? Foi o filósofo austríaco Karl Popper quem primeiro formulou o paradoxo:
“Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto com eles”.
Sim, Popper escreveu isso, mas convém contextualizar melhor a citação. Essas observações constam de uma nota de rodapé de “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, um livro que enaltece a liberdade de expressão e a tolerância. Mais, a frase seguinte, raramente reproduzida, reza: “Com essa formulação, eu não insinuo, por exemplo, que devemos sempre suprimir o enunciado de filosofias intolerantes; contanto que possamos combatê-las por meio de argumentos racionais e mantê-las sob controle pela opinião pública, a supressão seria certamente insensata”.
John Rawls não é tão peremptório quanto Popper. Para o norte-americano, uma sociedade justa precisa ser tolerante até com os intolerantes. De outra forma, ela deixaria de ser tolerante e se tornaria injusta. Sociedades tolerantes, diz Rawls, têm, contudo, o direito de defender-se de ataques. Mais ou menos na mesma linha vai Michael Walzer.
Ainda que com importantes diferenças de matiz, eles estão todos dizendo a mesma coisa: a regra geral deve ser a tolerância, reservado o direito de autopreservação. O que nenhum deles faz é oferecer um critério prático para estabelecer quando um discurso intolerante deixa de ser só um exotismo e se converte numa ameaça à democracia. E não o fazem, creio, porque é impossível definir a priori essa linha demarcatória.
Sem parâmetros objetivos, cada um de nós se torna refém de suas próprias convicções e apostas sobre o futuro. A democracia se assenta sobre bases frágeis.
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