quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Reforma inevitável: Editorial | O Estado de S. Paulo

O mais recente relatório sobre a Situação da População Mundial, feito anualmente desde 1978 pelo Fundo de População das Nações Unidas (Unpfa), indica que as famílias brasileiras têm, em média, 1,7 filho, uma redução notável em relação aos anos 60, quando a média era de 6 filhos. Tal fenômenos se explica, diz o estudo, pelo maior acesso das mulheres às informações sobre contracepção e planejamento familiar, colocando o Brasil entre os países com as menores taxas de fecundidade do mundo - a média latino-americana é de 2 filhos, e a mundial, de 2,5.

Conquanto inegavelmente contribua para “melhorar o bem-estar de mulheres e meninas, transformar famílias e sociedades e acelerar o desenvolvimento global”, como diz o relatório, essa diminuição do número de filhos por família apresenta importante desafio para os formuladores de políticas públicas, em especial aquelas voltadas para o mercado de trabalho e para a Previdência Social.

Com seu 1,7 filho por mulher, a taxa de fecundidade brasileira está abaixo da taxa de reposição populacional, que é de 2,1 filhos. Ou seja, o País experimentará em poucos anos um declínio da população, a exemplo do que já acontece no Japão e na Rússia. Se por um lado isso representará menor demanda por serviços públicos básicos, como educação e transportes, e menor busca por empregos, por outro implicará um número decrescente de jovens disponíveis no mercado de trabalho.

Segundo o estudo da Unpfa, isso terá um duplo impacto. Primeiro, haverá menos trabalhadores qualificados para desenvolver novas tecnologias, tarefa que em geral é assumida pelos jovens; segundo, haverá menos jovens para sustentar o sistema previdenciário.

A Revisão 2018 da Projeção da População divulgada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já mostrava que o Brasil desperdiçou seu chamado “bônus demográfico”, situação em que o número de habitantes em idade ativa supera o total de dependentes, isto é, idosos e crianças. A partir deste ano, conforme essas estatísticas, o crescimento da população em idade ativa começou a ser menor do que o crescimento da população. Isso significa que a população brasileira começou a apresentar um perfil demográfico semelhante ao dos países desenvolvidos - isto é, com envelhecimento acelerado - sem, contudo, ter o mesmo nível de renda. Aliás, muito pelo contrário - a recessão de 3,8% em 2015 e de 3,6% em 2016 foi apenas o sintoma mais doloroso da atávica incapacidade da economia brasileira de crescer a taxas compatíveis com seu imenso potencial.

Tudo isso somado reitera a inevitabilidade e a urgência de uma profunda reforma do sistema previdenciário. Não se trata mais de uma escolha entre fazer ou não fazer a reforma, como chegaram a sugerir alguns candidatos irresponsáveis durante a campanha eleitoral. Agora, trata-se de uma escolha entre fazer a reforma de uma maneira negociada e racional, estabelecendo, para começar, uma idade mínima compatível com a nova demografia do País, ou fazê-la da pior maneira possível - deixando de pagar as aposentadorias, como já aconteceu no Rio de Janeiro e em outros lugares.

Não é mais possível ignorar a realidade, tampouco é possível continuar a permitir que os interesses corporativos de setores privilegiados da sociedade se sobreponham aos do conjunto dos brasileiros, como aconteceu quando a reforma da Previdência encaminhada pelo atual governo foi sabotada, mesmo sendo apenas uma reforma superficial.

Quando a marcha natural do envelhecimento da população e da redução do número de jovens no mercado de trabalho finalmente inviabilizar o sistema por completo - estima-se que, em 2050, haverá menos de 2 trabalhadores na ativa para cada aposentado no Brasil -, será tarde para providências racionais, restando o calote e outras medidas igualmente danosas para as famílias. É preciso que o próximo governo tenha consciência de que a reforma da Previdência há muito deixou de ser matéria de opinião. O eleito deve aproveitar a consagração das urnas para convencer a população a aceitar o fato de que, mantido tudo como está, haverá cada vez menos contribuintes para bancar aposentadorias.

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