Sinais ruins para a democracia continuam sendo emitidos pelo staff de campanha de Jair Bolsonaro (PSL), que, a uma semana do segundo turno, exibe uma dianteira confortável em relação a seu rival, o petista Fernando Haddad. Se o eixo das eleições se deslocou para a disputa radicalizada nos extremos, o próximo presidente deveria, até por necessidade política, deslocar-se para a moderação e o apaziguamento, contemporizando com os 40 milhões de eleitores que se abstiveram de votar ou preferiram votar nulo ou em branco, e os 25 milhões que escolheram outros candidatos que não os do PSL e PT - uma massa maior do que Bolsonaro obteve no primeiro turno, de 49,2 milhões de votos.
Após quase liquidar a fatura já no primeiro turno, Bolsonaro seguiu pondo em suspeição as urnas eletrônicas - e, portanto, o Tribunal encarregado de zelar por sua integridade. Nisso foi coerente com sua pregação anterior mesmo aos embates eleitorais, de que seria o vencedor e de que não aceitaria outro resultado. Esse destino, para ele, só seria frustrado por meio de fraudes.
Não é muito distinto, embora muito mais grave, o espírito do vídeo divulgado no fim de semana, em que o filho de Bolsonaro, Eduardo, quatro meses depois sagrado o deputado federal mais votado na história do país, especula sobre uma eventual intervenção do Supremo Tribunal Federal para impugnar a vitória de seu pai. Eduardo disse que para fechar o Supremo bastariam um soldado e um cabo e que a prisão de um ministro do STF não motivaria reação alguma da população.
No domingo, após a divulgação do vídeo do filho, Bolsonaro gravara outro, exibido durante manifestação de seus apoiadores em São Paulo, em que, além de afirmar que Lula e seu rival Haddad "apodrecerão na cadeia", prometeu uma "faxina muito mais ampla", em que "esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria". A linguagem de guerra lembra a utilizada pela ditadura militar, defendida pelo candidato do PSL ao longo de seus obscuros 27 anos de mandato como deputado federal.
As atitudes de campanha de Jair Bolsonaro podem se transformar em prática se ele vier a chefiar o Estado e se estender a todos que não comungam de seus ideais. Ao longo da campanha ele hostilizou e ameaçou vários órgãos de imprensa e no domingo nomeou a "Folha de S. Paulo" como fonte de "fake news", indigna de receber verbas da publicidade oficial.
O capitão reformado tem um problema renitente com seus auxiliares de confiança, que destapam a falar o que pensam em público, como seu vice, Hamilton Mourão, e mesmo seu guru econômico, Paulo Guedes, que chegou a examinar a possibilidade de criar uma CPMF em substituição a alguns impostos. Bolsonaro pediu-lhes silêncio, o mesmo que pretende guardar em ambientes que não sejam por ele estritamente controlados como, por exemplo, debates com seu rival, Fernando Haddad, aos quais tem se recusado a comparecer.
O filho de Bolsonaro ultrapassou os limites e seu pai tratou o fato de início como uma peraltice, que abordou em termos interessantes, afirmando que "se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar um psiquiatra". Em nota de retratação, Eduardo foi mais evasivo: "Se fui infeliz e atingi alguém tranquilamente peço desculpas".
Coube ao presidente do STF, Dias Toffoli, esclarecer algo óbvio, mas por algum motivo não levado em conta por Eduardo Bolsonaro: ataques como o que fez ao Poder Judiciário significam simplesmente ataques à democracia. O presidenciável do PSL reforçou suas desculpas públicas ao Supremo, para um pouco mais tarde fazer um discurso inflamado contra o PT e a "Folha", em tudo o exato contrário de um discurso da aceitação democrática de posições divergentes.
Bolsonaro tem pouco apreço pela democracia, como demonstrou em seguidos discursos públicos a favor da ditadura e da tortura. As instituições democráticas, construídas após 21 anos dessa ditadura, poderão ser tensionadas se Bolsonaro for eleito e governar com o mesmo espírito com que disputou as eleições. Atitudes de campanha são prenúncios, que já poderiam ser afastados por apelos à moderação e ao bom senso, sem os quais a dura tarefa de recolocar nos eixos a economia, entre tantas outras questões, não será realizada. A corrupção e o desastre petista na economia custaram-lhe o impeachment e, ao que tudo indica, esta eleição. Como indicam as pesquisas, o povo tende a dar a Bolsonaro a incumbência de consertar a casa da mesma forma com que ela quase foi desarrumada - dentro das regras e métodos da democracia.
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