"Uma esquerda tão desprovida, se não existisse, teria de ser inventada pela extrema direita que ora ensaia seus primeiros passos no governo do País. Deve-se constatar, de início, que a linguagem do poder, especialmente de vocação autoritária, nunca é muito original: também no universo da ultradireita temos de nos haver eternamente com inimigos internos e agentes de ideologias exóticas, como se homens e mulheres de esquerda não pudessem ser atores legítimos numa democracia digna do nome ou, ainda, como se fosse possível imaginar um Brasil sem Graciliano, Niemeyer, Portinari ou Gullar.
Mas não nos interessam tanto a cultura ou as infames “guerras culturais” que, envenenando generalizadamente o discurso público, poderiam justificar e até dar tons ainda mais obscuros ao proverbial pessimismo que orientou, ou desorientou, a obra de tantos pensadores que se debruçaram sobre a grande crise existencial moderna. Aqui não se trata de filosofia, mas da resposta dada por próceres do novo oficialismo à crise em curso da globalização – uma resposta mais vulgar, certamente, mas nem por isso menos capaz de incidir nos nossos destinos individuais. Curiosamente encontraremos pontos de contato significativos entre as posições extremadas, que, como sugere o senso comum, muitas vezes se tocam e vivem parasitariamente umas das outras"
*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil. Sobre vieses e viseiras, O Estado de S. Paulo, 20/1/2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário