- Folha de S. Paulo
Custa crer que os britânicos tenham se metido em tamanha enrascada conscientemente
Nunca foi fácil ser o demônio —embora a coisa talvez venha ficando ainda mais dificultosa com a proliferação contemporânea de especialistas em expulsá-lo do corpo.
Veja a dedicação de Mefistófeles no cultivo da alma danada de Fausto. Por décadas atendeu a todos os caprichos do homem com a paciente expectativa de obter seu justo prêmio após a morte do doutor. Tomou um drible celestial na hora agá, uma quebra de contrato de dar pena.
Mas o capeta é o capeta não porque seja ruim ou porque seja velho. Ele é como o coiote do papa-léguas: jamais desiste. Em junho de 2016, meteu os britânicos numa arapuca da qual não conseguem escapar.
Foi o diabo. Apenas ele seria capaz de um ardil tão... diabólico.
O embuste veio embalado em papel nobre, a vontade popular. Perguntou-se à população se queria o Reino Unido fora da União Europeia, e uma pequena maioria disse sim.
Coube ao Parlamento, cuja maioria se opunha ao desembarque, desembrulhar o pacote-surpresa. Caiu o premiê que, decerto sob influência satânica, tinha parido o referendo. Assumiu a ex-ministra do Interior.
Um ano depois tentou-se, com uma eleição geral, sintonizar a vontade de cidadãos e representantes.
O coisa-ruim deu um jeito de envenenar o resultado e deixou a premiê entre a cruz —uma horda de lunáticos no seu partido querendo divórcio a qualquer custo— e a caldeirinha —a oposição liderada por um velho populista de esquerda, querendo apenas o fígado da adversária.
Nesse pandemônio, não parece haver aritmética terrena capaz de chegar à maioria dos votos parlamentares, seja para uma saída organizada do bloco europeu, seja para derrubar a premiê, que apanha sem piedade de opositores e correligionários.
Sem que nenhuma entidade corpórea os pressionasse, os britânicos decidiram ficar mais pobres e agora trilham a via mais custosa da separação. Não é possível que ajam conscientemente. Alguma força maligna os possui. Que Deus os ajude.
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