Há muito tempo um governo não é montado sem que os cargos públicos, do alto escalão, sejam objeto de loteamento entre os partidos políticos que dão sustentação ao presidente da República eleito. O presidente Jair Bolsonaro decidiu seguir este caminho e preencheu o seu ministério sem indicações partidárias, dando inteira liberdade para que os titulares das pastas escolhessem os seus assessores. É provável que a maioria da população brasileira nunca tenha visto isso acontecer.
A negociação de cargos com os partidos da chamada base governista sempre foi apresentada como indispensável para garantir a governabilidade, principalmente em um regime presidencialista de coalisão, marcado por uma fragmentação partidária crescente. As diretorias das grandes estatais e dos bancos públicos eram disputadas pelos políticos de forma aguerrida, como se tudo isso fosse muito natural.
O máximo que o presidente conseguia, às vezes por exigência de seus ministros da Fazenda, era não permitir indicações políticas para as presidências das instituições financeiras federais, com o objetivo de preservar a execução da própria política econômica.
Soube-se recentemente, graças à Operação Lava-Jato, que a disputa de diretorias de estatais e de cargos importantes na administração pública estava relacionada com a perspectiva de arrecadar dinheiro, não apenas para o financiamento ilegal de partidos, mas também para o enriquecimento ilícito de agentes políticos. Bolsonaro se propôs a mudar isso.
Em recente entrevista ao Jornal das 10, da GloboNews, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, chamou a atenção para essa mudança e disse que a decisão do presidente terá um impacto relevante, por si, em diminuir a corrupção. Moro considera que o governo federal tem a responsabilidade de liderar a luta contra a corrupção e não ficar apenas dizendo que respeitará a ação da Justiça, sem atrapalhar as investigações.
O ministro informou que estuda um projeto consistente contra corrupção, crime organizado e crime violento, que atenda aos anseios da sociedade. Uma das propostas é tornar mais claro na legislação a prisão depois de julgamento em segunda instância. Ele considera a medida indispensável contra a impunidade.
Moro questiona aqueles que criticam a estratégia de Bolsonaro, afirmando que ela levará à ingovernabilidade. "Qual é a governabilidade que nós queremos? A da grande corrupção? A chegar naquele ponto em que o governo é um problema de polícia e não uma questão de discutir políticas públicas?", indagou o ministro na entrevista. Para ele, a política no Brasil estava indo na direção da cleptocracia, o governo dos ladrões. "Não existe governabilidade em um governo de ladrões. Existe é descrédito, desconfiança. Chegou a um certo nível em que o cidadão começou a desconfiar da democracia", argumentou.
Para ele, os parlamentares são sensíveis ao debate e à opinião pública. Se o governo conseguir convencer a opinião pública de que as medidas são acertadas, Moro acredita que os parlamentares não ficarão insensíveis.
Há um aspecto que também precisa ser considerado. Bolsonaro indicou militares, entre eles vários generais, para cargos estratégicos de seu governo. Esse movimento pode ser interpretado de várias maneiras, mas, certamente, uma delas é a necessidade do presidente de contar com pessoas em quem confia e que podem evitar situações que comprometam o seu governo. Eles seriam "os olhos do presidente" em todos os lugares, como dizem alguns.
O governo Bolsonaro foi montado em um momento em que o Congresso está em recesso. A partir do próximo mês, quando os parlamentares retomarem suas atividades e quando o governo encaminhar suas primeiras propostas ao crivo dos deputados e senadores, será possível verificar o resultado da estratégia do presidente.
O que poderá acontecer se, na primeira crise do governo, o presidente for obrigado a mudar sua estratégia, adotando práticas que condenou em sua campanha e na própria montagem do ministério? Qual seria a reação dos militares? E a reação do próprio ministro Moro?
A agenda do governo é extensa e tem muitas medidas impopulares necessárias para o equilíbrio das contas públicas e a retomada do crescimento. Será o momento de atestar se o convencimento da opinião pública levará os parlamentares a pensar e agir pelo país.
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