quinta-feira, 2 de maio de 2019

Clóvis Rossi: A Venezuela, entre dois fracassos

- Folha de S. Paulo

Reação de Maduro mostra declínio dos EUA até no seu antigo quintal

Sejam quais forem as consequências da mobilização do 1º de Maio naVenezuela, dois fracassos ficaram claros na fracassada tentativa de levante do dia anterior: um fracasso já era notório há muito tempo, o do chamado socialismo do século 21, mais torpe ainda do que seu parente do século 20.

O outro fracasso é dos Estados Unidos ou, ao menos, da liderança americana. Paradoxalmente, os EUA, como líderes globais, passaram a declinar a partir do instante em que ganharam a Guerra Fria e sepultaram o comunismo sob os escombros do Muro de Berlim.

Os sinais do declínio vinham se acumulando desde a incapacidade de brecar a Rússia na Síria, o que permitiu a permanência de Bashar al-Assad, que Washington queria derrubar. A Rússia também adicionou a Crimeia a seu território e ainda abriu um conflito no leste da Ucrânia, até hoje não resolvido.

O fracassado levante na Venezuela é, no entanto, mais significativo, por se dar em uma área —a América Latina— que sempre foi oquintal americano.

Não me lembro de nenhuma conspiração patrocinada/financiada pelos EUA que não tenha sido bem sucedida em defenestrar governantes que contrariassem interesses americanos. A exceção, claro, é Cuba, certamente por ter sido sustentada a maior parte do tempo pela então União Soviética.

O resultado da intervenção americana sempre foi desastroso do ponto de vista da democracia que se alegava proteger. Desde a primeira delas, no pós-guerra, na Guatemala, em 1954.

A intervenção derrubou o presidente Jacobo Arbenz, democraticamente eleito, para proteger os interesses da United Fruit Company, a maior proprietária de terras na Guatemala.

A consequência de médio prazo na Guatemala foi uma guerra civil (1960-96), em que morreram 150 mil pessoas e 40 mil desapareceram.

Outra intervenção nefasta foi a que derrubou o presidente Salvador Allende, no Chile, em 1973, também democraticamente eleito. Seguiu-se uma ditadura sanguinária, que o próprio governo dos EUA condenaria depois, já no governo de Jimmy Carter.

Dados tais antecedentes —e há muitos outros— haveria o que temer, caso fosse bem sucedida a intervenção na Venezuela. Lá mesmo, em 2002, os Estados Unidos apoiaram um golpe contra Hugo Chávez, cujos líderes adotaram imediatamente o curso autoritário habitual. Durou pouco, mas foi o suficiente para que Chávez, de volta ao poder, começasse a montar ele próprio o seu sistema autoritário.

Maduro apertou mais ainda o cerco à democracia e, ainda por cima, conduziu a Venezuela a um fracasso econômico e social sem precedentes.

Tudo somado, o ideal seria que os Estados Unidos saíssem da linha de frente e deixassem que os países da região liderassem o processo de recuperação democrática da Venezuela (processo que não pode passar por uma intervenção militar).

Pena que o ideal seja, no momento, o impossível: o Brasil, líder natural na América Latina, não tem condições de exercer esse papel, ainda mais que se tornou vassalo dos Estados Unidos, que acaba de passar pelo vexame de combinar com líderes militares, apenas para ser atropelado pelos russos, segundo a versão de Mike Pompeo, o secretário de Estado.

Azar dos venezuelanos que só podem contar com suas próprias pernas ou para protestar ou para fugir do país.

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