O levante deflagrado na terça-feira passada pelo presidente constitucional da Venezuela, Juan Guaidó, para tentar depor o ditador Nicolás Maduro lançou o país na incerteza. Em meio a informações desencontradas sobre os desdobramentos do movimento liderado por Guaidó e sobre a reação de Maduro, a oposição recebeu firme respaldo do Grupo de Lima, formado por Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Canadá. Em nota, os membros da organização “rechaçam que tal processo seja qualificado como golpe de Estado” – ou seja, enxergam legitimidade no levante.
O Grupo de Lima fez um chamamento às Forças Armadas da Venezuela “para que manifestem sua lealdade ao presidente encarregado, Juan Guaidó, na função constitucional de seu comandante em chefe”, e que “cessem de servir como instrumentos do regime ilegítimo para a opressão do povo venezuelano e a violação sistemática de seus direitos humanos”. Exigiu também que Nicolás Maduro “cesse a usurpação” do poder para que haja transição para a democracia e responsabiliza diretamente o ditador “pelo uso indiscriminado da violência” contra os opositores. Por fim, oferece “apoio político e diplomático às legítimas aspirações do povo venezuelano de voltar a viver em democracia e liberdade, sem a opressão do regime ilegítimo e ditatorial de Nicolás Maduro”.
Em 23 de janeiro, Juan Guaidó, então presidente da Assembleia Nacional, proclamou-se presidente interino da República invocando o artigo da Constituição que lhe dava autoridade para declarar vaga a Presidência da República em caso de ruptura constitucional – Maduro havia sido declarado “usurpador” pela Assembleia Nacional após tomar posse, duas semanas antes, para exercer um novo mandato, obtido numa eleição escandalosamente fraudada. Sua ilegitimidade como presidente foi reconhecida pelo Grupo de Lima, pela Organização dos Estados Americanos e pela União Europeia, que respaldaram Guaidó como responsável por conduzir a Venezuela a novas eleições.
Maduro, no entanto, aferrou-se ainda mais ao poder, desafiando o que está escrito na Constituição de seu país e toda a mobilização liderada pelos Estados Unidos para pressioná-lo. O ditador tem o apoio da Rússia, interessada em explorar a situação para desgastar os norte-americanos. “A ingerência de Washington nos assuntos internos de um Estado soberano é uma violação grosseira do direito internacional”, disse em nota o chanceler russo, Serguei Lavrov, que acrescentou: “A continuação dessas medidas agressivas terá as mais sérias consequências”. Já o assessor de Segurança Nacional norte-americano, John Bolton, disse que o ditador Maduro está cercado de “escorpiões” e que é só “questão de tempo” que deixe o poder. Estados Unidos e Rússia parecem dispostos a fazer da Venezuela uma nova Cuba, pivô da guerra fria que marcou a relação entre os dois países no século passado.
A Venezuela atravessa gravíssima crise econômica e humanitária, e a revolta contra o ditador Maduro parecia mesmo inevitável. O problema é que talvez Juan Guaidó tenha superestimado sua mão num jogo em que Maduro dispõe de centenas de generais sob seu controle, vários deles presenteados pelo regime com o controle de diversos setores da economia. A ferocidade e a firmeza da repressão ao levante indicam que destituir Maduro será uma tarefa muito mais complexa do que se poderia imaginar.
Diante de uma situação tão incerta quanto explosiva, o governo brasileiro fez bem ao adotar um tom cauteloso e ao praticamente descartar uma intervenção militar, ainda que o presidente Jair Bolsonaro tenha deixado claro que o levante é bem-vindo. Neste momento, é preciso que, entre os atores relevantes para a crise venezuelana, prevaleça o bom senso – o que continua a faltar, por exemplo, ao PT, que em nota oficial “condena a tentativa de golpe na Venezuela” e diz que o levante foi um “fracasso” porque os venezuelanos dão “claro apoio” a Maduro “após anos de políticas voltadas ao bem-estar da população”.
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