- Folha de S. Paulo
Quem mais tem interesse no combate ao desemprego é quem menos tem poder
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua(Pnad) do IBGE, divulgados na terça-feira (30), reiteram a gravidade e a persistência do quadro de subutilização da força de trabalho e de precarização dos empregos que afligem o país.
Os números também deixam claro que a base da pirâmide continua sendo mais afetada pela crise do que a média da população, contribuindo para aprofundar ainda mais as nossas desigualdades.
Em setores relativamente intensivos em mão de obra menos escolarizada, como os de construção e de alojamento e alimentação, o salário médio sempre foi mais baixo do que para o conjunto dos trabalhadores.
Se considerarmos toda a série histórica da Pnad Contínua, os trabalhadores da construção e do setor de alojamento e alimentação, que inclui hotéis, restaurantes e bares, ganharam, em média, 23% e 43% a menos, respectivamente, do que o conjunto dos trabalhadores empregados na economia.
O problema é que essa diferença não ficou no mesmo patamar ao longo desse período.
Ao contrário do que ocorreu durante a fase de maior crescimento da economia e de aquecimento no mercado de trabalho dos anos 2000, as disparidades salariais vêm aumentando substancialmente desde o início da crise.
No primeiro trimestre de 2014, o rendimento médio recebido em todos os trabalhos era 17% maior do que na construção e 34% maior do que em alojamento e alimentação. No primeiro trimestre de 2019, essas disparidades saltaram para 33% e 61%, respectivamente.
Somente no último ano, os trabalhadores do setor de construção sofreram uma perda salarial de 3,6%, descontada a inflação. A queda real nos rendimentos foi ainda maior, de 4,7%, para os que trabalham nos setores de alojamento e alimentação.
É verdade que o setor de construção foi, de longe, o mais afetado pela crise: o número de pessoas ocupadas nessa atividade ainda é 14,3% menor do que no primeiro trimestre de 2015, há exatos quatro anos. Mas, no setor de alojamento e alimentação, já há 26% mais pessoas ocupadas do que antes da crise e os salários continuam caindo.
Uma possível explicação pode ser encontrada na hipótese levantada por Jared Bernstein, economista do Center on Budget, nos EUA, em artigo de opinião publicado em fevereiro no jornal The Washington Post: um mercado de trabalho aquecido beneficia relativamente mais os trabalhadores mais pobres, constituindo-se como um vetor relevante de redução da desigualdade.
Em um conjunto de gráficos divulgados em sua conta no Twitter, Bernstein mostrou, por exemplo, que os salários dos trabalhadores 20% mais pobres nos EUA crescem de forma significativa com a redução da taxa de desemprego no país. Já para os 10% mais ricos, a relação negativa entre salários e desemprego nem sequer aparece nos dados.
Como apontou Bernstein, é de se esperar que os trabalhadores mais pobres precisem ainda mais do mercado de trabalho aquecido para obter algum poder de barganha nas negociações salariais.
Em meio à crise, o medo de perder o emprego e a alta vulnerabilidade social tornaria os trabalhadores da base da pirâmide mais sujeitos a perdas significativas de renda.
No caso brasileiro, a má distribuição dos custos da crise talvez ajude a explicar a falta de urgência atribuída a uma agenda de retomada do crescimento econômico por aqueles que nos governam desde 2015.
Quem mais tem interesse no combate ao desemprego é quem menos tem poder de influência sobre nossas esferas decisórias.
*Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".
Nenhum comentário:
Postar um comentário