quinta-feira, 2 de maio de 2019

Míriam Leitão: Efeitos no Brasil da crise vizinha

- O Globo

Guaidó se manteve nas ruas, e Maduro ampliou a repressão. Governo brasileiro vê a crise se deteriorar rapidamente na Venezuela

No segundo dia da atual escalada de tensão na Venezuela, Juan Guaidó ainda permanecia nas ruas. Apesar da repressão, que se acentuou ontem, o líder oposicionista conseguiu realizar manifestação e prometeu continuar pressionando com protestos diários e a ameaça de uma greve geral. O ditador Nicolás Maduro convocou uma multidão de apoio a si mesmo, mas ontem a repressão baixou também sobre bairros pobres, que no auge do chavismo foram a sua grande força.

Guaidó não entregou o que prometeu no amanhecer do dia 30, mas está mantendo sua mobilização num país sem imprensa, com sinal de internet intermitente, e no qual o governo consegue silenciar por algum tempo até a mídia social. Sem falar na violenta repressão que já acumula um número alto de feridos. Maduro voltou ontem à TV, disse que derrotou “um complô” e propôs uma “jornada de diálogo” com o povo. A verdade é que ele está dependurado nos generais e reprimindo a população.

No governo brasileiro, o assunto é acompanhado com o máximo de atenção pelos inúmeros impactos no país. O informe da Operação Acolhida —para a qual foram enviados 500 soldados do Exército, que saíram de São Paulo para Pacaraima dois dias antes desse acirramento — é de que triplicou o número de venezuelanos que vêm para o Brasil todos os dias. Um dos efeitos óbvios é continuar pressionando a parca estrutura do estado de Roraima.

Ao sair da reunião de emergência ontem, no Ministério da Defesa, o presidente Jair Bolsonaro falou que a crise pode elevar o preço dos combustíveis no Brasil. Na verdade, a Venezuela está há tanto tempo em declínio de produção que sua ausência já foi colocada nos cálculos do mercado. Ontem a cotação subiu de US$ 71 para US$ 72, mas na semana passada estava em US$ 74. Em 28 de dezembro estava em US$ 53, portanto, este ano já teve uma alta forte. Esse sempre será um mercado instável. Quando Bolsonaro diz que se preocupa que haja “um problema sério aqui dentro como efeito colateral do que acontece lá”, ele se refere ao preço do diesel e ao movimento dos caminhoneiros.

Outro impacto que já se realizou é na energia de Roraima. Bolsonaro disse que o país está gastando um milhão de litros de óleo diesel por dia com as térmicas do estado. Roraima não está no Sistema Interligado Nacional (SIN), era abastecido pela hidrelétrica venezuelana de Guri e agora o país não consegue fornecer.

— A situação é emergencial e não podemos continuar de forma eterna com a energia do óleo diesel, gastando mais de R$ 1 bilhão por ano pela energia de Roraima —disse.

Não podemos mesmo, mas Bolsonaro repetiu o que disseram todos os governos antes dele, que a solução é o linhão para levar a energia de outros estados para lá. Na verdade, essa não é a única solução, ainda que seja desejável a ligação com Roraima. Se o Brasil tivesse investido, nos últimos anos, em energia fotovoltaica distribuída ou energia eólica no estado, já poderia ter caído a dependência do diesel que chega a Roraima de caminhão. O cúmulo da irracionalidade: queima-se diesel para transportar diesel para ele ser queimado nas térmicas e virar energia.

Outro risco para o Brasil é o flerte de uma ala do governo Bolsonaro com a ideia do uso do território brasileiro para movimentação de tropas americanas. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, voltou a dizer ontem que a possibilidade de intervenção militar não está descartada. Se dependesse só do presidente, do chanceler e do seu filho que posa de chanceler, o Brasil já teria se comprometido com essa aventura. Os comandantes militares vetam a proposta. Ontem, Bolsonaro definiu assim o processo de um eventual envolvimento do Brasil. “O presidente reúne o Conselho de Defesa, toma decisão e participa o parlamento.” O deputado Rodrigo Maia corrigiu. Pela Constituição, a palavra final é do Congresso. Não basta participá-lo, é preciso consultá-lo.

Há três semanas, aviões russos chegaram com tropas e equipamentos na Venezuela. Os cubanos estão dentro da máquina do Estado. A tensão sobe. Maduro, ameaçado, aumenta a violência. A avaliação dos militares brasileiros é de que a situação está se deteriorando rapidamente. É preciso estar preparado para enfrentar os efeitos desta crise no Brasil.

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