- O Estado de S. Paulo
Traçar cenários no Brasil é complexo. O cuidado técnico é essencial, mas não é tudo
Empresários e investidores perguntam se o Brasil vai dar certo. Como responder a essa pergunta se não sabemos sequer como será 2020?
Vamos assumir que o Brasil dar certo significa ao menos crescer em linha com o mundo, pouco acima de 3%. Seria um belo resultado, em termos per capita, acima de 2%, dado que a população cresce menos de 1%. Bem maior que a média observada desde o Plano Real, que foi pouco mais de 1%.
Como discutido adiante, esse parece um cenário improvável para os próximos anos. O crescimento será provavelmente mais modesto. Mas quanto? E este tanto será suficiente para promover um ambiente estável? O motivo dessa indagação é que o baixo crescimento tende a deixar o país fica mais vulnerável a acidentes de percurso, que também se tornam mais difíceis de serem superados. O cenário “meio do caminho” também guarda muitas incertezas.
Traçar cenários no Brasil é tarefa complexa. O cuidado técnico é essencial, mas não é tudo. A instabilidade da economia e a escassez de séries históricas longas são entrave. No passado recente, o intervencionismo estatal e a manipulação dos números fiscais do governo Dilma comprometeram a eficiência dos modelos de projeção.
Nos últimos anos, o quadro político ganhou protagonismo na construção de cenários econômicos. Isso porque, para voltar a crescer, o Brasil necessita urgentemente de reformas estruturais que dependem de aprovação no Congresso. Não fosse o quadro econômico tão frágil, não faria tanta diferença ter ou não um governo reformista, aqui entendido pela agenda proposta e a capacidade de execução.
As dificuldades não param por aí. É também importante analisar a reação da sociedade. O descontentamento com a economia e com os serviços públicos pode ser gatilho para protestos e greves, com implicações na política e na economia. Analistas econômicos cada vez mais precisam dialogar com os profissionais das demais ciências humanas.
A depender de como terminaremos este ano, poderão ser tempos difíceis a partir de 2020. Não por incertezas sobre o comportamento das variáveis econômicas em 2019 – há poucas dúvidas de que será um ano de baixo crescimento e inflação bem comportada –, mas pelas sementes que serão plantadas, ou seja, pela agenda econômica a ser entregue e outras a serem encaminhadas para o País voltar a crescer.
Uma reforma da Previdência desidratada não irá gerar o devido alívio aos cofres públicos nas três esferas. Os serviços públicos, que tanto impactam o sentimento dos eleitores, irão piorar. O risco fiscal, que impacta o sentimento de investidores, continuará elevado, com risco de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal e da regra de ouro (impõe limites ao endividamento do governo federal) e de inviabilização da regra do teto (estabelece limites ao crescimento dos gastos públicos), regra esta que foi essencial para trazer a taxa de juros do Banco Central para níveis inéditos. Qual será o tamanho desta fatura?
Como será o encaminhamento das demais reformas, já que a da Previdência, mesmo que não desidratada, não irá trazer crescimento de verdade? Os sinais não são bons, como o pouco alcance das medidas para melhorar o ambiente de negócios, o desconhecimento dos diagnósticos sobre o problema da educação e as trapalhadas na discussão sobre a reforma tributária, que insiste na tributação de transações econômicas, na contramão do recomendado.
Teremos, provavelmente, anos de crescimento modesto adiante. Será um cenário apenas desafiador ou de fato mais instável? Se por um lado, a classe política tem maior compreensão sobre a necessidade de reformas, por outro, o quadro econômico é muito frágil e a sociedade está mais exigente e vocal. Há muitas incertezas no radar e isso atrapalha os tomadores de decisão.
Muitas manifestações do governo revelam compreensão superficial dos problemas. Podem agradar os eleitores fiéis, mas não serão suficientes para manter as ruas calmas e empresários e investidores confiantes.
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