- Valor Econômico
Deixemos de pressupor que os mercados sempre estão certos. Modernizemos nossas redes de proteção social, fiscalizemos a prática da concorrência e reinventemos nosso pacto social. Isso não é socialismo. É um capitalismo mais inteligente
A reputação dos economistas, a exemplo do comprimento das saias, entra e sai de moda. Nos últimos 10 anos, John Maynard Keynes recebeu novo apreço e Hyman Minsky teve o seu momento.
Acho que é tempo de John Kenneth Galbraith ter a sua hora. O "conceito de poder compensatório" do falecido economista liberal, apresentado pela primeira vez em seu livro "O Capitalismo Americano", de 1952, é uma crítica da opinião de que "o mercado sempre está certo" que dominou a economia política americana desde a era de Ronald Reagan. Não poderia haver melhor época para relê-lo.
Apesar da tão discutida ascensão dos "socialistas" da geração do milênio (para mim eles não são, na verdade), nós, americanos, ainda aceitamos, basicamente, a ideia de que o setor privado sempre aloca os recursos de maneira mais eficiente do que o setor público. Trata-se de um truísmo difícil de desfazer, mesmo diante do que parece ser um escândalo de fraude empresarial, uma explosão da dívida corporativa improdutiva e uma curva de rendimento invertida gritante dos títulos do Tesouro dos EUA que sugere que os investidores temem que uma recessão esteja chegando.
Os formuladores de políticas públicas de todo o espectro político concordam que precisamos criar um crescimento verdadeiro e duradouro - uma infraestrutura, um sistema educacional do século XXI e uma reforma da assistência médica satisfatórios.
Mas essas são coisas que o mercado privado tem pouco estímulo para resolver. Construir estradas e gerir escolas e hospitais (pelo menos os de tipo não lucrativo) simplesmente não é tão rentável quanto fazer brotar aos borbotões condomínios de luxo ou se dedicar à especulação financeira.
Como teria concordado Galbraith, os mercados privados também não estão preparados para enfrentar as externalidades econômicas e sociais como um todo da mudança climática ou os efeitos da desigualdade de renda.
Um exemplo óbvio disso é que a explosiva dívida do financiamento estudantil se tornou um empecilho para o crescimento geral da economia. Os preços de mercado não conseguem captar o custo integral desses problemas.
Galbraith teria argumentado, além disso, que as empresas podem ser tão burocráticas e disfuncionais - se não mais - do que o governo. Seu livro de 1967 "O Novo Estado Industrial" explorou a maneira pela qual as grandes empresas são mais impulsionadas por sua necessidade de sobreviver como entidades organizacionais do que pelos sinais emitidos pela oferta e a procura.
Ele previu que a inovação e o entusiasmo empreendedor cairiam com a ascensão dessas organizações. Foi exatamente isso o que aconteceu quando a nossa economia se tornou dominada por empresas de alta visibilidade.
Examine qualquer série de mamutes problemáticos - da GE até a Kraft Heinz, passando pela Boeing - e será difícil não ver exatamente o que Galbraith previu. Na eterna busca do lucro, muitas empresas simplesmente fazem o dinheiro circular nos seus balanços, criando uma hiperglicemia financeira de curto prazo desacompanhada de verdadeira inovação.
Vivemos em um mundo no qual os mercados não conseguem sequer lidar com uma minúscula alta das taxas de juros sem vir abaixo, e, quando as poupanças geradas pelos cortes de impostos não foram canalizadas para novos investimentos produtivos, e sim para recompras de ações, que também foram alimentadas por papéis emitidos àquelas mesmas baixas taxas de juros.
Não estou dizendo que precisamos de planejamento central. Galbraith certa vez colocou bem isso: "Reajo de forma pragmática. Onde o mercado funciona, sou favorável a isso. Onde o governo é necessário, sou favorável a isso. Tenho profunda desconfiança de alguém que diz 'Sou a favor da privatização', ou 'Sou profundamente a favor da propriedade pública'. Sou a favor do que quer que funcione no caso em questão".
Os políticos e os formuladores de políticas públicas republicanos ou democratas deveriam gravar essas palavras no cérebro. Nós, americanos, não apreciamos nuanças, na verdade. Gostamos de afirmações fortes, simples, como a observação de Reagan: "O governo não é a solução para o nosso problema; o governo é o problema".
Mas o argumento de que "o privado é bom e o público é ruim" simplesmente não é verdadeiro. Senão, de que maneira poderíamos explicar a ascensão de China? O país não apenas mostrou que o planejamento governamental e a competitividade econômica não apenas podem andar juntos como também que, na atual era de desestabilização e desigualdade gerados pela tecnologia, o apoio do setor público pode ser necessário para garantir a prosperidade do setor privado.
Está na hora de conservadores em matéria de política, neoliberais em matéria de economia e executivos-chefes abraçarem isso. Acho imensamente frustrante ouvir tantos dirigentes empresariais americanos reclamarem que o governo não consegue fazer nada, ao mesmo tempo em que pagam caros bacharéis em ciências contábeis para manterem o máximo de riqueza possível fora dos cofres de receita fiscal do governo.
Está na hora de reconhecer que cortes intermináveis de impostos não injetaram mais dinheiro na economia real americana, apesar das alegações frequentes, incorretas, de empresas de que teriam criado um crescimento duradouro acima da média. Em vez disso, geraram rodovias esburacadas e pontes perigosas. Os EUA estão em 31º lugar entre 70 países no teste Pisa, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em matemática, ciências e leitura.
Experimentemos uma coisa nova. Deixemos de pressupor que os mercados sempre estão certos. Paguemos nossos impostos, modernizemos nossas redes de proteção social, regulamentemos os mercados devidamente, fiscalizemos a prática da concorrência a fim de proteger o ecossistema econômico geral e não apenas as empresas maiores e reinventemos nosso pacto social.
Isso não é socialismo. É um capitalismo mais inteligente. A maioria pode ainda não acreditar nisso. Mas, como teria dito Galbraith, de acordo com citações frequentes: "Em economia, a maioria sempre está errada". (Tradução de Rachel Warszawski)
*Rana Foroohar é editora associada do Financial Times em Nova York
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