- O Estado de S.Paulo
Chegou o momento de fazer valer leis bem estruturadas, como o Código Florestal
Um relatório do WWF-Brasil chamado Guia prático para decisões com impacto no longo prazo no Brasil traz um dado preocupante: por ano, o País perde cerca de R$ 9 bilhões em decorrência de eventos climáticos, como estiagens, inundações e vendavais.
Sabem onde estamos perdendo dinheiro? Segundo a entidade, em infraestruturas, como ruas e rede elétrica, além de habitações e escolas destruídas por estes acontecimentos extremos. E mais, a agricultura tem danos vultosos e chega a representar 70% dos prejuízos registrados no setor privado.
Esse panorama não pode continuar. Ser sustentável é uma necessidade latente, que envolve esforço conjunto de sociedade, setor privado e poder público. Nesse sentido, a bioeconomia é um segmento central para construirmos um futuro que equilibre necessidades e soluções ambientais, econômicas e sociais.
O conceito é baseado na utilização de recursos biológicos e renováveis para a geração de produtos e serviços. Trata-se de uma visão de futuro com alta produtividade, tecnologia e inovação. Precisamos focar nossos esforços em transformar o modelo econômico que utiliza matéria-prima fóssil em renovável e de baixa emissão de carbono.
A bioeconomia está ligada diretamente a diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), um conjunto de metas globais estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU). É possível citar o ODS 7 (energia limpa), o ODS 9 (indústria, inovação e infraestrutura), o ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis), o ODS 12 (consumo e produção sustentáveis) e o ODS 13 (ação contra mudança do clima). Se o Brasil tiver um olhar estratégico para o tema, esta será uma agenda em que o País poderá ser líder. Temos grande força produtiva vinda do campo e de laboratórios de ponta, ao mesmo tempo que temos 67% do território coberto por vegetação nativa, de acordo com o MapBiomas.
É preciso equilibrar um processo produtivo sólido e o cuidado com a natureza. Primeiro ponto a ser considerado é que as florestas em pé têm enorme valor. Remoção de carbono, regulação do fluxo hídrico, conservação do solo, entre outros serviços ambientais, são fundamentais para a produção agrícola e para qualidade de vida. A conservação do meio ambiente não pode ser economicamente desprezada e monetizá-la beneficiará, especialmente, pequenos agricultores, estimulando a proteção da vegetação nativa.
Neste quesito, políticas públicas são imprescindíveis, até mesmo para estimular uma economia de baixa emissão de gases de efeito estufa e criar mecanismos de mercado de carbono. O RenovaBio é um exemplo de uma política pensada para promover a expansão dos biocombustíveis, mas que não deslanchou. O programa, mesmo aprovado pela Câmara em 2017, ainda passa por discussões para seu aperfeiçoamento.
O setor privado tem de incorporar, de fato, a sustentabilidade em seus planos de negócios. Há casos que devem servir de modelo, como a indústria de árvores cultivadas para fins industriais – um segmento nato da bioeconomia, que, com um manejo sustentável, produz bens de consumo tradicionais e inovadores, além de gerar serviços ecossistêmicos.
Essa indústria comumente utiliza áreas antes degradadas, seguindo um plano de manejo para cada tipo de região. As árvores ali cultivadas são matéria-prima para a produção de painéis de madeira, pisos laminados, celulose, papel, carvão vegetal e mais outros 5 mil produtos e subprodutos que fazem parte do dia a dia. Exemplos disso são a fralda descartável para bebês, que utiliza celulose em sua composição, e até mesmo uma simples caixa de bombom que compramos no mercado. Além de proteger os produtos, a embalagem de papel tem origem sustentável e pode retornar à cadeia produtiva.
No lugar da árvore colhida, outra será plantada com o mesmo objetivo, fazendo com que as terras sejam perenemente produtivas. A indústria de base florestal tem 7,8 milhões de hectares no Brasil e ocupa menos de 1% do território. Mesmo assim, é um importante abrigo para biodiversidade, estoca 1,7 bilhão de CO2 equivalente e ajuda a conservar o solo. Em muitos casos, as florestas são certificadas pelo FSC e PEFC/Cerflor, que atestam a origem dos produtos, fortalecendo o mercado responsável e o comércio internacional.
Assim, desde a escolha do local de cultivo até o consumidor final, a indústria mantém um olhar cuidadoso. E não para por aqui, já que os produtos estocam carbono, são renováveis e, muitos deles, biodegradáveis. Ou seja, após o fim do ciclo de uso, decompõem-se na natureza até mesmo em poucos meses. É um setor que demonstra ser possível trabalhar de maneira equilibrada, proporcionando soluções para grandes problemas que afligem o planeta.
O que está por vir? Nanofibras e nanocristais, obtidos a partir da quebra das fibras de celulose, que podem ser utilizados em tintas, cosméticos, fios têxteis, próteses e suplementos alimentares. Bio-óleos, originados da transformação da madeira de florestas plantadas, que, em breve, podem ser uma opção a combustíveis de alto impacto poluidor.
Esses elementos tornam a indústria de florestas plantadas um exemplo de setor da bioeconomia. O mundo está se mobilizando para estabelecer este novo conceito de forma estratégica. Nós também precisamos nos preparar para atender aos anseios dos novos consumidores, mais conscientes e em busca de produtos e serviços de qualidade e ambientalmente corretos.
Mas temos um desafio: o respeito à legislação e às bases científicas que a sustentam. Chegou o momento de fazer valer leis bem estruturadas, como o Código Florestal. O caminho inverso, de alterações ou rediscussões sobre normas bem construídas, pode ser um equívoco, no qual jogaremos contra o meio ambiente, contra a cadeia produtiva e contra o futuro do Brasil, que poderá perder as oportunidades de uma demanda planetária para lá de urgente.
*Economista, presidente da Ibá, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)
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