Diagnóstico de Maia tem algo de dramático, mas não está longe da verdade
- O Estado de S. Paulo, 03 de junho de 2019 | 16h46
A entrevista de Rodrigo Maia ao Estadão de hoje não é coisa pequena, de importância secundária.
Antes de tudo, porque Maia é presidente da Câmara, de cuja posição lidera um bem fornido grupo de parlamentares. Num momento em que tudo está por ser definido, o governo Bolsonaro carece de capacidade de articulação parlamentar e não prima pela eficácia administrativa, aquilo que fala e faz um integrante de peso do Poder Legislativo merece atenção redobrada. Afinal, ainda continua a ser na Câmara que se decide a sorte das propostas governamentais. Quem consegue obter liderança e articulação ali passa a dispor de um poder expressivo, que precisa ser exibido. E hoje quem faz isso é Maia.
Não é por outro motivo que o presidente da Câmara se dá ao direito de dizer que as reformas de que o país precisa estão hoje sendo viabilizadas por ele: sem seu empenho, “a Previdência ainda estaria nas gavetas da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça)”. Os que o atacam a pretexto de defender Bolsonaro estão batendo em quem está salvando o governo.
Assim com os políticos dos partidos vários, incluído o Centrão. A crítica a eles deve se basear em atos ou atitudes, não em definições pré-concebidas, que desqualificam os partidos em vez de criticar as pessoas que erram. “Se os partidos que estão no Parlamento provarem que têm a agenda das reformas como prioridade”, não faz sentido marginalizá-los ou estigmatizá-los. O Centrão, que hoje é “tratado de forma pejorativa”, poderá ser visto pela história como o grupo “que salvou o Brasil do colapso social, do crescimento da desigualdade, da pobreza, da falta de educação e da falta de médicos”.
Isso quer dizer que é preciso ter calma para criticar. “A gente tem de radicalizar na ponderação, no equilíbrio, no diálogo”.
O diagnóstico de Maia tem algo de dramático, mas não está longe da verdade. Ele acredita que “chegamos num ponto onde ou nós construímos uma agenda em conjunto ou vamos para o colapso”, com a “ruptura das relações sociais”. O colapso fiscal e o colapso previdenciário já estão maduros. E aquilo que pode viabilizar algum avanço, a política, foi “criminalizada” e “está distante da sociedade”. A sensação é de que a saída não está aparecendo: “Todos os problemas que a sociedade vive hoje passaram a ser da política. Alguns pontos são corretos, mas às vezes esse pêndulo é exagerado. Para que a gente possa dar solução para o colapso social, precisamos ter uma agenda que venha do Executivo”.
O presidente da Câmara esteve à vontade na entrevista. Falou com a autoridade de quem lidera a principal instituição política do Estado. Fez a defesa dela e da importância que tem em um quadro de vazio e desorientação governamental. Tomou como exemplo do que não deve ser feito o ministro da Educação, Weintraub, que “está trazendo a crise para o governo”, não se comunica de modo adequado e chama as universidades para o conflito, atrapalhando as articulações que deveriam interessar ao governo.
Mais foi cauteloso diante da questão do “pacto” proposto por Dias Toffoli. “Um pacto com compromissos reafirmando a importância das instituições, com princípios, pode avançar. Pactos com agenda que caminhem para o debate ideológico terão dificuldade de passar por todos os Poderes, não só na Câmara. Mas acho que a iniciativa é positiva”.
Não faltará quem veja na entrevista uma manobra de Maia para conquistar maior protagonismo e relevância. Será uma crítica inócua, pois o que se espera, numa democracia representativa, é que os chefes dos poderes conquistem precisamente isso e se ponham a serviço dos interesses mais amplos da sociedade. Seguramente, é melhor que seja o presidente da Câmara quem se interesse por essa conquista.
*Marco Aurélio Nogueira, professor titular de teoria política da Unesp
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