- Folha de S. Paulo
Bolsonaro afrontou a opinião pública do Primeiro Mundo
Em 2013, ao deixar a direção da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy esteve em São Paulo. Para uma plateia reunida na Fundação Getúlio Vargas, o político socialista francês afirmou que cláusulas de proteção ambiental nos acordos internacionais de comércio seriam cada vez mais exigentes e tinham vindo para ficar. Explicou por que: assim querem os consumidores europeus, que são também eleitores.
Sondagem realizada entre 2016 e 2017 pelo European Social Survey em 23 países do Velho Continente mostra o quanto seus cidadãos são sensíveis à questão ambiental. Em quase todos os países pesquisados, é superior a 90% a parcela daqueles que acham que o clima está mudando —chegando a 97,7% na Islândia. É da mesma ordem de grandeza a proporção dos que atribuem a mudança, pelo menos em parte, à ação humana. É menor, mas sempre superior a 60%, o índice dos que preveem que suas consequências serão inevitavelmente nefastas.
Desde a década passada, movimentos e partidos verdes se afirmaram como força política no Parlamento europeu, onde formam hoje a quarta maior bancada. Mas o ambientalismo não se circunscreve às legendas verdes. A questão ecológica ocupa lugar destacado na agenda dos social-democratas, bem como entre os partidos de centro, como o de Emmanuel Macron e o de Angela Merkel. Para ambos, incidentalmente, defender a Amazônia é uma forma de reiterar compromisso com a boa causa, a custo zero.
Nas negociações de comércio, cláusulas ambientais e sanitárias são muitas vezes pretexto para proteger interesses de produtores locais pouco competitivos. Mas é cegueira atribuir a isso a atitude dos dirigentes europeus.
Tampouco eles agem em suposto conluio com ONGs, movidos pela cobiça das riquezas da Amazônia, como afirmam Bolsonaro e seus generais, embalados por um nacionalismo rudimentar e bolorento. Na realidade, os líderes da União Europeia estão é de olho nos eleitores que consideram os verões escaldantes, os invernos mais que nunca rigorosos ou as enchentes fora de época, indícios de que o planeta estaria em crise.
Bolsonaro afrontou a opinião pública do Primeiro Mundo com o discurso reminiscente da ditadura militar que opõe desenvolvimento à proteção ambiental e com a sequência de medidas de desmanche das instituições e organismos a ela dedicados. A reação veio rápida e forte nas ruas, na voz das celebridades e na dos líderes de países cujos mercados visamos, nas manchetes da mídia e nas redes sociais.
A fumaça das queimadas que cobriu São Paulo espalhou fuligem sobre o governo do capitão e a imagem do país.
*Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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