- Folha de S. Paulo
Suas aparições na saída do Palácio do Alvorada foram se tornando um pequeno circo
Os jornalistas adoramos cobrar que presidentes deem entrevistas. Pois falar com a imprensa é dos principais exercícios republicanos de um chefe de governo.
Jair Bolsonaro está aí para acabar também com esse mito. Suas aparições na saída do Palácio do Alvorada foram se tornando um pequeno circo. O que acontece ali até entretém, mas mais confunde do que explica.
Bolsonaro parece crer que bom dia não é coisa para usar todo dia. Aparece quase sempre sem assessores que lhe possam ajudar na memória dos nomes (“conversei com o chefe lá da Espanha”, contou) ou na precisão das informações (“não sei, não vou falar mais nesse nível com vocês, impossível ter tudo na cabeça”, respondeu a quem lhe perguntava um número). Tudo isso com os presentes em pé, embaixo de uma mangueira, dividindo atenção com alguma claque bolsonarista.
A crise com a França só fez aumentar o contraste desse, digamos, protocolo. Às declarações desetiquetadas de Bolsonaro se contrapunha um Emmanuel Macron em púlpito com local e data da fala presidencial.
O problema extrapola a forma.
As saidinhas do Alvorada desmentem de manhã o que o Planalto confirmou à noite (“eu falei isso?”, retrucou quando questionado sobre rejeitar o dinheiro do G7).
Ecoam ideias com obsessão dignas da psicanálise e, no linguajar publicitário, fazem a ativação de posts das redes sociais. Mostram como ele mimetiza Donald Trump em tudo, inclusive ao atacar jornalista pessoalmente.
Numa dessas ofensivas, ameaçou, dedo em riste: “Se não fizerem matéria escrita amanhã nos jornais, não tem mais entrevista para vocês aqui, tá legal?” Pois não teve matéria. Ele voltou ao mesmo lugar, reclamou e falou sem direito a perguntas. Um dia depois, tudo igual a dantes, como se promessa não fosse dívida.
De tão pesadas, as palavras de Bolsonaro ficaram mais leves. Saem do portão do Alvorada e voam fácil com o vento do cerrado, soltas como pipas que perderam a direção.
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