Alerta aos navegantes || Editorial / Folha de S. Paulo
Indicadores não permitem diagnóstico claro, mas cenário econômico é alarmante
A temida palavra voltou à cena depois que o índice de atividade econômica do Banco Central (IBC-Br), que reúne dados de indústria, serviços e agropecuária, apontou encolhimento no segundo trimestre, como já ocorrera no primeiro.
A hipótese de o país estar novamente em recessão, infelizmente, não é despropositada, ainda que o indicador do BC não tenha a capacidade de predizer o resultado do Produto Interno Bruto —e ainda que mesmo o registro de duas quedas trimestrais consecutivas do PIB não baste para caracterizar o início de um ciclo recessivo.
Levam-se em conta diversos fatores para tal diagnóstico, e nenhum deles parece conclusivo hoje.
A intensidade da retração, em primeiro lugar, mostra-se baixa. O PIB, que busca mensurar a renda geral do país, caiu 0,2% de janeiro a março, ante os três meses anteriores. Já o IBC-Br teve oscilação negativa de 0,13% de abril a junho. Variações inferiores a 0,5%, positivas ou negativas, não significam impacto relevante para o período.
Quanto ao emprego, a melhora permanece, mas em ritmo muito lento. A taxa de desocupação chegou a 12% no trimestre encerrado em junhodeste 2019, pouco abaixo dos 12,4% do período correspondente de 2018. O rendimento médio do trabalho, porém, teve recuo de 0,2%, na mesma base de comparação, para R$ 2.290 mensais.
Se os últimos números do setor produtivo e da confiança empresarial foram fracos, um dado mais alentador veio do indicador do Ipea para os investimentos, com elevação no segundo trimestre.
Inexiste dúvida, de todo modo, de que se está diante de um cenário alarmante —ainda mais para um país que está longe de ter se recuperado dos efeitos da profunda crise encerrada em 2016.
Recorde-se, a esse propósito, que a etapa inicial daquela recessão, em 2014, tampouco apresentava indicadores incontestáveis. Estes só surgiriam no ano seguinte, após um estágio de estagnação.
Não se vê o risco de nada tão devastador agora, decerto. Fatores domésticos, inclusive, permitem algum otimismo, como a perspectiva de aprovação da reforma da Previdência e o corte dos juros do BC. O panorama externo, porém, traz ameaças, com tensões comerciais entre Estados Unidos e China e incerteza eleitoral na Argentina.
O Brasil não pode se dar ao luxo, como já deveria estar claro, de tomar a recuperação da economia como mera questão de tempo.
Nível de atividade fraco esfria fusões e aquisições || Editorial / Valor Econômico
Há quase quatro anos, em novembro de 2015, o empresário Abilio Diniz disse que o Brasil estava em liquidação. Com a taxa de câmbio "muito, muito alta", de R$ 4 por dólar, as empresas brasileiras estavam muito baratas. Diniz estava em Nova York, para participar de apresentação da BRF a investidores estrangeiros. Para ele, a cotação do dólar era um exagero, consequência da crise política, que acabou resultando no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, e não de problemas econômicos sérios. Crise econômica mesmo foram as do fim do século passado, quando o país devia muito aos credores externos e quase não tinha reservas, afirmou. Situação bem diferente daquele momento, quando as reservas chegavam a US$ 370 bilhões.
Na semana passada, com o dólar novamente rondando os R$ 4, e reservas internacionais de US$ 387 bilhões, Abilio Diniz afirmou em entrevista ao Valor(8/8) que as cotações das ações no Brasil estavam elevadas demais, e que a expectativa de um "ajuste de preços" colocava os investidores em compasso de espera. Para ele, a avaliação de que os múltiplos estão "muito altos pelo mundo" cria a expectativa de ajuste e leva à paralisia dos investidores. Desta vez, Diniz falou ao Valor na esteira da disseminação de comentários de uma possível aquisição do Casino, controlador do Pão de Açúcar, pelo Carrefour. O tema, segundo frisou, não está em discussão hoje no conselho do Carrefour.
Apesar de Abilio Diniz ter falado, no primeiro momento, mais como vendedor das ações da BRF aos investidores estrangeiros, algumas outras fontes corroboram sua avaliação de que houve redução do interesse pelas fusões e aquisições de empresas brasileiras. O empresário é também fundador da Península Participações, veículo de investimentos da família Diniz, com R$ 12 bilhões sob gestão, com o Carrefour, BRF e Ânima entre os ativos.
Levantamento feito pela Dealogic contabilizou que as fusões e aquisições realizadas de janeiro a julho no país movimentaram US$ US$ 24,59 bilhões (R$ 95 bilhões), mostrando uma queda de 27% na comparação com o mesmo período de 2018 (Valor, 5/8). Em consequência, os bancos de investimento até registraram receitas menores. A queda da receita com comissões foi de 4,9%, mesmo incluído os ganhos maiores com as ofertas de ações e ainda levando em conta operações de financiamento, de acordo com a Dealogic.
Embora apresentem números diferentes, levantamentos de outras consultorias indicavam, no início do ano, que o mercado de fusões e aquisições seria mais animado, com o otimismo com o governo de Jair Bolsonaro e com a recuperação da economia. Mas o clima foi mudando à medida que apareciam dúvidas a respeito da capacidade do Planalto de levar adiante as reformas e se percebeu que o nível de atividade patinava. As privatizações e concessões também desaceleraram, após uma primeira leva de operações estruturadas ainda no governo de Michel Temer. Mais recentemente, a aprovação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados trouxe uma perspectiva mais positiva, embora arrefecida pelo consenso de que mudar as regras para a aposentadoria não resolve tudo.
No sentido oposto, as vendas de títulos e ações no mercado caminham para atingir patamar histórico neste ano. Tendo um mercado diferente como alvo, o dos investidores que buscam alternativas de aplicação em cenário de queda dos juros, a oferta de ações e títulos de crédito de empresas somou R$ 206,8 bilhões de janeiro a julho, volume não muito distante do recorde de R$ 246,8 bilhões registrado até agora, segundo a Anbima, associação das entidades do mercado de capitais.
Já o mercado de fusões e aquisições, como disse Abilio Diniz, é mais influenciado pela perspectiva que os compradores em potencial têm da capacidade da empresa de entregar um resultado compatível com o investimento que exigirá. Com a economia fraca, os retornos não parecem promissores.
Depois da última leva de indicadores do IBGE, já se fala que o PIB do segundo trimestre, a ser divulgado no fim deste mês, será negativo, configurando recessão técnica. O sentimento foi reforçado pela retração de 0,13% registrada no segundo trimestre pelo Índice de Atividade Econômica do BC, espécie de "prévia" do PIB. Pesquisa Focus também divulgada anteontem, mostrou novo recuo da mediana das projeções do mercado para o crescimento da economia neste ano, de 0,82% para 0,81%.
Mudar a Receita é simplismo || Editorial / O Estado de S. Paulo
Blindar a Receita contra pressões políticas é a desculpa do governo para mexer de novo na configuração do Executivo, um exercício até agora desastrado e sem o mínimo benefício para a administração. A nova ideia é converter a Receita Federal em autarquia, com modelo semelhante ao de uma agência reguladora. Enquanto estuda a mudança, o Ministério da Economia prepara a transferência do Coaf, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, para o Banco Central (BC). O destino do Coaf, órgão conhecido principalmente pelo combate à lavagem de dinheiro, tem estado em discussão desde o começo do mandato do presidente Jair Bolsonaro.
Se a Receita for convertida em autarquia de regime especial, semelhante à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Brasil apresentará ao mundo uma notável inovação. Afastará do núcleo do governo, isto é, da administração direta, uma das funções vitais do Estado. Arrecadar tributos é condição essencial para o cumprimento das funções públicas. Essas funções incluem a produção da lei, a solução de conflitos, a imposição de penas a infratores, a manutenção da ordem interna e o cuidado da segurança externa, para citar só alguns pontos centrais da noção de poder público.
Não basta mencionar pressões políticas – do Judiciário, do Legislativo ou de outra fonte – para justificar essa reconfiguração do Executivo. Falta competência para enfrentar essas dificuldades? Faltou competência para garantir o bom funcionamento do Coaf? O caso deste órgão é um claro exemplo dos problemas administrativos do atual governo.
Logo depois da posse, o presidente Jair Bolsonaro tentou reduzir o número de ministérios. Agiu como se isso cortasse custos e protegesse a administração das barganhas políticas. Foi uma interpretação simplista, como tantas outras. Além disso, a eliminação de pastas forçou a redistribuição de funções, com a criação de monstrengos como o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e o Ministério da Cidadania, onde se agrupam assuntos tão díspares quanto esporte, Bolsa Família, economia criativa, política cultural e prevenção das drogas.
Ao mesmo tempo, o presidente cuidou de transferir o Coaf para o Ministério da Justiça, entregue ao ex-juiz Sergio Moro. O objetivo, segundo a desculpa oficial, era tornar mais eficiente o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Mas o Coaf, anteriormente subordinado à Fazenda, havia cumprido bem essa função. A tentativa foi anulada no Congresso e o conselho retornou ao Ministério da Economia, outra criação do novo governo.
O presidente do BC declarou-se a favor da transferência do Coaf para seu território, mas nenhuma justificativa clara foi apresentada para a fusão das funções fiscalizadoras próprias do BC e as do conselho.
A mera mudança de endereço e de subordinação será insuficiente para eliminar problemas políticos e conflitos em torno da operação da Receita e do Coaf. Se de fato ocorrem os abusos denunciados até agora, certamente continuarão ocorrendo. Nem os congressistas se acomodarão nem os membros do Judiciário ou de quaisquer outros órgãos deixarão de agir, se encontrarem argumentos para denunciar excessos de autoridade, perseguições e jogadas políticas. As chefias mais altas desses órgãos poderão mudar, mas dificilmente se poderá substituir com urgência o corpo técnico.
Se o presidente Bolsonaro e sua equipe têm motivos para sentir-se incomodados, o caminho a seguir é claro: mostrar competência administrativa, cobrar respeito a regras, propor regras mais precisas e claras, se forem necessárias, e defender política e legalmente a atuação da Receita e do Coaf, quando isso for necessário.
Para isso o Executivo terá de mostrar competência administrativa e política. O presidente precisará trabalhar tendo em vista o País, em vez de prolongar o espetáculo encenado dia a dia – e já cansativo – apenas para seus apoiadores mais entusiasmados e menos críticos. Com um pouco mais de governo o Brasil poderia ter tido, por exemplo, um desempenho econômico menos miserável que o do primeiro semestre.
Descontrole de Bolsonaro afeta relações externas || Editorial / O Globo
Ao continuar no estilo baixo clero, presidente fere decoro, prejudica acordos e negócios do Brasil
Uma das marcas registradas do deputado e ex-capitão Jair Bolsonaro sempre foi não medir palavras, dando a entender que não pensava antes de abri rabo caem público. Foi assim que se sobressaiu na obscura bancada do baixo clero na Câmara. Escapou do ostracismo pela incontinência verbal.
Com 28 anos de mandatos em Brasília, lançou-se ao Planalto sem qualquer chance visível. Continuou falastrão na campanha, venceu as eleições e pensou-se que moderaria o discurso, para se adequar à liturgia e à representatividade do cargo que passou a ocupar.
Sete meses e meio de mandato demonstram que Bolsonaro continua o mesmo — como disse ao GLOBO —, sem dar importância aos estragos institucionais que provoca, não só internamente.
Nos últimos dias, o presidente tem sido especialmente produtivo em falar o que não deve, em usar termos chulos, em investir contra o decoro da Presidência da República.
À costumeira agressividade de quando trata de temas políticos, sempre abordados de maneira radical, Bolsonaro acrescentou uma fixação escatológica.
É no mínimo exemplo de má educação, de inconveniência. Por partir de um presidente da República, não passa despercebido no mundo, e isso afeta a imagem do país, com prejuízos concretos. No descontrole em que se encontra Bolsonaro, interesses diplomáticos envolvendo a economia já começam a ser afetados.
A oposição à preservação do meio ambiente, uma característica da extrema direita mundial, tem sido exercida como se Bolsonaro ainda estivesse no baixo clero. Seu governo, como ministro do Meio Ambiente à frente, Ricardo Salles, procura romper por completo o acordo com Alemanha e Noruega, que sustentam o Fundo Amazônia com bilhões em doações, para apoio a projetos sustentáveis na região.
A dirigente de um dos mantenedores do fundo, Angela Merkel, chanceler da Alemanha, foi desrespeitada pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, que, no estilo Bolsonaro, declarou que ela tem apresentado tremores em público depois de receber uma “encarada de Trump”.
Com o desconcertante ataque ao Fundo Amazônia, entre outros atos, Bolsonaro dá pretexto para que França e Alemanha, cujos agricultores e certas indústrias desgostam do acordo entre a UE e o Mercosul, tirem o apoio ao tratado comercial. Um revés para o Brasil.
A vitória da chapa peronista Alberto Fernández/Cristina Kirchner nas primárias argentinas contra o presidente Mauricio Macri, de centro direita, mereceu de Bolsonaro uma reação também nada protocolar. Alertou os gaúchos para o risco de a “esquerdalha” transformara Argentina em nova Venezuela, e o Rio Grande do Sul, outro Roraima, porta de entrada de venezuelanos no país.
Bolsonaro se esquece do Mercosul, do nível de integração que já existe entre os dois países, coma Argentina sendo forte importador de produtos manufaturados do Brasil. O presidente se torna um risco para o país.
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