(Correio Braziliense – 13/08/2019)
Em janeiro de 2018, fui convidado a uma palestra em Oxford para falar sobre por que Bolsonaro venceu. Disse que aceitaria falar sobre porque os democratas progressistas perderam. A palestra se transformou em pequeno livro que será publicado em breve, em que lembro que, no próximo ano, completaremos 35 anos de democracia, dos quais 26 com democratas-progressistas no poder; e o eleitor decidiu nos derrotar.
Depois de 26 anos no poder, 1/4 de século e de República, cinco presidentes — Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer —, o quadro que deixamos não satisfez ao eleitor que nos derrotou, mas ainda nos negamos a fazer autocrítica, entender onde nós, os democratas progressistas, erramos.
Erramos ao desperdiçar a chance de um pacto nacional para darmos coesão política ao presente e rumo ao futuro. Consideramos que nosso papel era apenas recuperar a democracia na política e acelerar o crescimento na economia com mínimas ajudas aos pobres, esquecendo que tínhamos um país a construir: eficiente, justo, pacífico, sem pobreza, sustentável. Ignoramos as imensas transformações em marcha na civilização, sob a forma da globalização, da inteligência artificial, dos limites ecológicos ao crescimento, da realidade contemporânea em que o conhecimento é o principal vetor do progresso econômico.
Desprezamos a experiência de que não se constrói justiça social sobre economia ineficiente. Erramos ao ficarmos presos a ideias obsoletas na esquerda e cairmos em vícios da direita. Prisioneiros do imediatismo eleitoral, submetemo-nos ao corporativismo de empresários e de trabalhadores; preferimos atender aos sindicatos do que ao povo, ao presente do que ao futuro. Em vez de usar o poder para transformar, preferimos nos acomodar para sobreviver no poder, optamos pelo populismo.
Não percebemos o esgotamento financeiro, administrativo e moral do Estado. Continuamos recusando as reformas necessárias para fazê-lo eficiente, comprometido com o público e protegido contra a corrupção. Ao contrário, aparelhamos o Estado, patrocinando seu inchaço; fomos tolerantes, coniventes, complacentes e locupletados na corrupção. Optamos pela irresponsabilidade fiscal, jogando o país na recessão, no desemprego e na inflação. Desprezamos a austeridade nos gastos públicos, defendendo mordomias e privilégios, quando deveríamos ter sido a vanguarda das reformas necessárias ao progresso. Preferimos falar para os eleitores no presente, mesmo enganando-os com populismo, a dizer a verdade e apontar para o futuro.
No lugar de fazermos autocríticas, tratamos como inimigos os aliados que nos alertavam e nos aliamos a corruptos que nos aplaudiam. Ainda pior, cooptamos os intelectuais, especialmente universitários, para o silêncio reverencial. Caímos no culto aos líderes das siglas, ignorando seus erros e perdoando suas corrupções.
Abdicamos de defender os símbolos nacionais, politizamos a economia e os valores morais, além de relegar a importância da cultura na formação de uma mente brasileira comprometida com o progresso: a educação, a sustentabilidade, a eficiência, a paz, o sentimento de patriotismo, a defesa da ética no exercício do poder e dos serviços públicos. No lugar do povo e da nação, preferimos o apego às siglas partidárias.
Não percebemos que nossa bandeira viável e revolucionária consistiria em uma “concertação nacional” por uma estratégia de longo prazo para colocar o Brasil entre os melhores do mundo em educação e garantir escola com a mesma qualidade para todos, filhos dos pobres em escolas tão boas quanto filhos dos ricos, como tantos outros países já fizeram. Se tivéssemos seguido essa estratégia nos 26 anos que estivemos no poder, hoje teríamos economia eficiente e sociedade justa.
Fabricamos o “outrismo”, e agora é difícil sair dele. Para isso, será preciso entender onde erramos e formular nossas propostas de rumo para o futuro: atrair o eleitor para uma alternativa que construa novamente o Brasil, sermos estadistas, não apenas políticos. Mas isso não parece fácil pela fragilidade de nossos filósofos e pelos vícios de nossos políticos.
A saída para o Brasil não virá pelos sectários, mas os não sectários não parecem ter chance nos próximos anos. Porque é muito forte a aliança entre os extremos. Os sectários são iguais, com palavras diferentes que se autoalimentam, conseguindo eliminar todos que não se identificam com os reacionários obscurantistas ou com os reacionários obsoletistas, que fazem uma aliança de inimigos, repetindo 2018 em 2022.
*Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)
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