Aberta ao público a partir de amanhã, mostra no Itaú Cultural, em São Paulo, reúne fotos, filmes, cartas, reportagens e depoimentos sobre uma das mais conhecidas vítimas da ditadura, morto por agentes da repressão em 25 de outubro de 1975
Alessandro Giannini || O Globo / O Segundo Caderno
SÃO PAULO - Vítima do regime militar durante a ditadura, Vladimir Herzog (1937-1975) se tornou um símbolo do combate à repressão e à tortura e da luta por justiça. Jornalista atuante entre as décadas de 1960 e 1970, militou na cultura, área na qual defendia a arte social e popular, e se embrenhou no cinema antes de morrer. Pai de dois filhos, registrou sua vida familiar em
fotos e o contato com os amigos e colaboradores em cartas muito bem escritas. Tanto o ícone quanto o homem estão representados na Ocupação Vladimir Herzog, que começa amanhã no Itaú Cultural, em São Paulo.
— Vou conhecer muito mais o Vladimir Herzog — diz Ivo Herzog, que tinha 9 anos quando o pai morreu, aos 38 anos, em 25 de outubro de 1975. —Grande parte do que vi na exposição, eu ainda não conhecia.
A mostra, que tem curadoria do Itaú Cultural e do Instituto Vladimir Herzog, estabelece um percurso em que o pai de família amoroso, o jornalista dedicado e o aspirante a cineasta aparece em fotos, filmes, cartas, reportagens, depoimentos e elementos audiovisuais. O Caso Herzog, como ficou conhecido o episódio de sua morte nos porões da ditadura, também ganha destaque a partir da exposição de documentos como as suas duas certidões de óbito: uma que traz “suicídio” como causa da morte e outra, emitida anos mais tarde, com “sufocamento por asfixia mecânica” como razão do óbito.
— Tem muita mística em torno do meu pai, mas ele era uma pessoa, um pai de família, também tinha suas imperfeições. A exposição, neste momento, é importante porque humaniza uma referência muito fluida. Ele vai ser conhecido pela palavra escrita e pelo depoimento de outras pessoas que o conheciam como uma figura de grande discernimento e também muito brincalhão —diz Ivo.
Após o assassinato nas dependências do Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo, as imagens de Herzog sem vida ganharam repercussão internacional e ficaram impressas no imaginário de uma época. Produzidas por agentes da repressão para dar a impressão de suicídio, foram desmentidas ao longo de anos de uma batalha judicial que terminou apenas em 2018, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) anunciou a condenação do Estado brasileiro pela omissão na apuração do assassinato.
FUGA DO ANTISSEMITISMO
Nascido em 27 de junho de 1937, em Osijek, na Iugoslávia (atual Croácia), Vlado (nome de batismo, adaptado depois para Vladimir) Herzog chegou a São Paulo com a sua família aos 10 anos para escapar do antissemitismo na Europa. Ele se naturalizou brasileiro, formou-se em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), tornou-se jornalista, editor, professor e se casou com Clarice, com quem teve os filhos Ivo e André.
Apaixonado pelo cinema, Herzog tinha em seu currículo o documentário “Marimbás” (1960), feito como trabalho de conclusão de um curso, e se preparava para seu primeiro grande projeto, outro filme, sobre Canudos e Antônio Conselheiro. A mostra exibe os roteiros dos dois trabalhos.
— Clarice, viúva do Vlado, disse que o marido estava pronto para ser cineasta quando morreu — diz Claudiney Ferreira, gerente do Núcleo de Audiovisual e Literatura do Itaú Cultural. — Naquele momento, além de um novo projeto jornalístico para a TV Cultura, ele trabalhava na pesquisa e elaboração do roteiro do novo filme.
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