Ao adiar decisões importantes, ao sabor das circunstâncias e das idiossincrasias de ministros, o Supremo Tribunal Federal tem ampliado a balbúrdia política, como se a criada pelo ocupante do Planalto e seus filhos já não fosse suficiente. O mais recente episódio, o da concessão de liminar pelo presidente do STF, Dias Toffoli, impedindo que dados detalhados de movimentações financeiras obtidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sejam enviadas ao Ministério Público e outros órgãos sem autorização judicial, é o mais recente deles. A liminar suspende as investigações dos casos em que a autorização não ocorreu e atende recurso do advogado do filho do presidente Jair Bolsonaro, o senador Flavio Bolsonaro, alvo de denúncias de "rachadinha" com salários de funcionários de seu gabinete, quando era deputado estadual no Rio.
Toffoli pretendia levar a plenário a questão, sob repercussão geral, em março, provocado por recurso de advogados de contribuintes do interior de São Paulo acusados de sonegação fiscal. Adiou-o para novembro. De repente, no recesso do STF, monocraticamente, concedeu a liminar que interrompe várias investigações da Polícia Federal e do MP, entre elas a de Flavio Bolsonaro, de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, que já prestou serviços ao presidente e tem relação com milicianos do Rio. Mas manteve inexplicavelmente a decisão final pelo tribunal para daqui a mais de três longos meses.
A justificativa de Toffoli é coerente, mas o momento no qual a decisão foi tomada e o contexto em que está envolvida cria ruídos políticos prejudiciais e desnecessários, que não existiriam se o assunto fosse julgado tempestivamente. O ato foi sugado em um caldeirão de fatos e versões que contém a "Vaza-Jato", com relatos de supostas arbitrariedades do agora ministro da Justiça e então juiz, Sergio Moro, e de procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, a eterna conspiração dos políticos contra a operação, um eventual "pacto" de Toffoli com o Executivo que não prescindiria de afastar escândalos de perto do Planalto e até inédita conjunção de interesses de bolsonaristas e petistas contra o MP.
Toffoli chamou para o Judiciário o controle do sigilo - não é difícil identificar o alvo, o MP - e da utilização de instrumento vital para investigações, que podem se tornar meio de perseguição política e fonte de abusos contra os direitos dos cidadãos. Para o presidente do Supremo, o filtro da autorização judicial é suficiente para permitir que se saiba quem está sendo investigado e por qual razão. Na ausência dela, não haveria freio para a circulação de informações sigilosas de contribuintes e políticos por integrantes da máquina pública. Não é difícil imaginar que o STF sancione a posição de Toffoli.
O Coaf mostrou-se valioso na luta contra a lavagem de dinheiro, que envolve não apenas políticos, servidores e empresários corruptos, mas traficantes de drogas, sonegadores de impostos etc. A necessidade de autorização da Justiça para que o Coaf entregue informações pormenorizadas sobre movimentações suspeitas tornará as investigações mais lentas, porém judicialmente mais seguras. O Coaf seguirá alertando a quem deve como sempre, ao contrário do que pareceu no instante em que a decisão foi anunciada.
A liminar move o pêndulo na direção contrária à da Lava-Jato como a conhecemos. Diante do longo período de impunidade de corruptos, quebrado pela ação decisiva da Lava-Jato em relação a empresários e políticos envolvidos em vasto esquema de falcatruas, o pêndulo, dado o amplo apoio da opinião pública, no início se deslocou a favor dos procuradores, sem que se pesasse excessos cometidos. Advertências de ministros do STF conjugaram-se agora com o vazamento de conversas dos procuradores pelo The Intercept, indicando - se tudo for verdade - que os meios legais não foram sempre respeitados. Toffoli pôs uma pedra no caminho do MP.
Desvendar interesses tornou-se mais complicado após a eleição de Jair Bolsonaro, que fez campanha como paladino da luta contra a corrupção e logo no início de seu governo se viu envolvido em uma trama de depósitos ilegais de pessoas ligadas a Flávio e ao "laranjal" do PSL que crava de suspeitas seu ministro do Turismo, a quem dá generoso benefício da dúvida. O ministro Sergio Moro vê e ouve, mas está calado.
Parte da solução deste e de outros problemas virá quando o STF resolver problemas urgentes na hora certa e privilegiar a decisão colegiada em detrimento da monocrática, sugestão que já se tornou tão acaciana quanto improvável.
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