- Valor Econômico
Debate deve ser sobre eficiência e justiça tributária
O tema da reforma tributária vive inédito congestionamento de propostas. O avanço da Previdência na Câmara impulsiona a discussão desse outro capítulo da agenda de medidas estruturais. O assunto, naturalmente envolto em ceticismo depois de décadas de fracassos, carrega consigo virtudes, vícios e riscos que precisam ser considerados.
Um desses vícios está no atual processo legislativo. Câmara e Senado concorrem com dois textos semelhantes e que têm como principal vetor a criação de um imposto sobre valor adicionado (IVA) nacional sobre bens e serviços, o IBS. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em uma decisão mal explicada e aparentemente movida por agenda própria, ignorou o projeto aprovado em 2018 pela comissão especial da Casa. Assim, outro texto foi apresentado e tramita na Câmara. Já o Senado, que melhor representa os Estados, resolveu encampar o que foi aprovado na Câmara. O desperdício de energia política que essa competição entre as Casas gera já é algo a se lamentar.
O Ministério da Economia, que duvida da viabilidade política das propostas do Congresso, finaliza um projeto próprio. O texto reformula apenas impostos federais e já é bombardeado principalmente por conta do tributo que tem cara e jeito de CPMF, mas que, no fim das contas, parece bem mais agressivo que o extinto em 1997.
Uma possível vantagem da Contribuição sobre Pagamentos (CP) é alcançar a emergente economia digital e substituir a contribuição sobre folha de pagamentos, barateando o custo do trabalho formal.
Recentemente, os secretários estaduais de Fazenda passaram a defender uma nova alternativa. Trata-se da criação de dois IVAs, um federal e outro estadual. Uma fonte graduada envolvida nas discussões aponta que a alternativa do "IVA dual" seria mais viável por não interferir na autonomia tributária dos Estados ante a União e ainda simplificaria o sistema.
A proposta se parecer com a lançada no ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), então presidido por Ernesto Lozardo. Um dos autores foi o atual secretário de Política Econômica do ministério da Economia, Adolfo Sachsida.
Entre as questões pendentes estaria a compensação da perda de base de arrecadação dos Estados que produzem mais bens do que consomem, a partir da saída da tributação na origem do produto para o seu destino de consumo. E como compensar os Estados do Norte e Nordeste pelo fim dos incentivos fiscais para atrair empresas, a "guerra fiscal".
Advogado tributarista, Luiz Gustavo Bichara faz um importante alerta sobre a tônica do debate até o momento: as diversas propostas de reforma concentram-se na reformulação da tributação do consumo, sem atacar a questão do excesso de carga nesse segmento em detrimento da tributação da renda. Dessa forma, aponta, o sistema tem contribuído para alargar a desigualdade social.
"É mais fácil tributar no consumo, mas é mais danoso. Há um problema grande de tributação da renda. A tributação sobre o consumo prejudica os mais pobres", comentou Bichara, apontando ainda que, enquanto no Brasil a maior parte da carga está no consumo, nos países mais desenvolvidos está na renda. "Discutem-se reformas do imposto sobre consumo e não uma reforma tributária", disse.
Bichara defende que a tributação sobre o lucro não pode ter diferença setorial, como hoje ocorre com os bancos sendo mais taxados, mas sim por nível de lucro. Isto atingiria outros segmentos bastante lucrativos e que pagam menos tributos. Seria um tipo de tabela progressiva, como já ocorre no IRPF, defende.
De fato, olhando-se os dados oficiais, o Brasil tem um peso da tributação maior no consumo do que na renda. A média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cujo ingresso é tão almejado pelo atual governo, é de 11,7% do PIB de tributação na renda, enquanto no Brasil representava 6,5% do PIB. Já na tributação sobre consumo, o Brasil estava com 15,4% do PIB em 2016 enquanto a OCDE estava em 11,4% na média de 31 países associados a ela.
O empresário José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), vai em outra direção. Para ele, a distribuição da carga tributária está mais relacionada ao fato de os países da OCDE serem mais ricos que o Brasil, embora reconheça a regressividade do sistema tributário nacional. Ele não falou em nome da entidade.
"Quando se tem renda per capita alta é natural que boa parcela da arrecadação venha da renda", disse, lembrando que no Brasil, 90% das pessoas têm Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) semelhante ao do Suriname e apenas 1% semelhante ao do Japão. "Por mais que se cobre desse 1%, o impacto é limitado e, se exagerar, a pessoa sai do país", disse.
Para Roriz, o objetivo da simplificação tributária presente nas propostas em discussão é muito importante. Ele aponta que 3,5% do PIB foram gastos em 2017 por governos e empresas para gestão tributária. "Só a indústria em 2017 gastou R$ 37 bilhões apenas para cumprir as obrigações relacionadas ao recolhimento de impostos".
Roriz aponta que um problema importante das reformas no Congresso é a longa transição e a convivência de dois sistemas, o que gera custos. Por outro lado, aponta, a sistemática de um IVA altera a lógica vigente de recolhimento antecipado de tributos, levando a economia de capital de giro para as empresas.
Ex-secretário de assuntos econômicos do ministério do Planejamento, Marcos Ferrari alerta que este pode não ser o melhor momento para se tocar uma reforma tributária. Segundo o economista, a discussão nesse momento de PIB "minguado" pode postergar os investimentos das empresas necessários para a retomada do nível de atividade, pois, seja qual for a reforma, é esperada uma mudança de preços relativos (variação do preço de um bem em relação aos demais). "O ideal seria uma reforma em momento de crescimento mais forte", disse.
Não são poucas as preocupações sobre a reforma tributária. Mas a profusão de ideias em discussão é um sinal de que dessa vez pode ser diferente e algo finalmente avançar. Os políticos precisam agora se preocupar não só em produzir um sistema mais eficiente, promotor do emprego e da produtividade, mas também melhorar a justiça social, esse tópico cada vez mais esquecido.
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